segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Revolução Industrial e os trabalhadores





E. P. Thompson
Comparadas com as vilas rurais, as condições gerais nas grandes cidades industriais eram mais repugnantes e inconvenientes. Nas vilas rurais, a água de um poço próximo ao cemitério podia ser impura, mas, pelo menos, seus habitantes não tinham de se levantar à noite para entrar numa fila diante da única bica que servia a várias ruas, nem tinham de pagar por ela, como acontecia nas cidades industriais.
Nestas, os trabalhadores e suas famílias tinham de suportar o mau cheiro do lixo industrial e dos esgotos a céu aberto, enquanto seus filhos brincavam entre detritos e montes de esterco. [...]
À medida que a Revolução Industrial avançava e surgiam as clássicas condições de superpopulação e de depravação nas grandes cidades em rápida expansão - inchadas pêlos imigrantes -, a saúde da população urbana começou a se deteriorar.
A taxa de mortalidade infantil, durante as três ou quatro primeiras décadas do século XIX foi muito mais alta nas novas cidades industriais - às vezes o dobro - do que nas áreas rurais. Segundo o Dr. Turner Thackrah, de Leeds, "menos de 10% dos habitantes das grandes cidades gozam de perfeitas condições de saúde". [...]
O Primeiro Relatório do Oficial Geral de Registros (1839) mostrou que aproximadamente 20% da taxa global de mortalidade se devia à tuberculose, uma doença associada à pobreza e à superpopulação, predominando tanto nas regiões rurais quanto nas urbanas.
Das 92 mortes de trabalhadores adultos e jovens de uma fábrica de tecidos de lã de Leeds, entre 1818 e 1827, pelo menos 52 foram atribuídas à tuberculose ou ao "definhamento". Nessa época, a taxa de mortalidade na faixa de O a 5 anos de idade chegava a 517 em mil nascidos vivos. [...]
O trabalho infantil não era uma novidade. A criança era parte intrínseca da economia industrial e agrícola antes de 1780, e como tal permaneceu até ser resgatada pela escola. A forma predominante de trabalho infantil era a doméstica ou a praticada no seio da economia familiar. As crianças que mal sabiam andar podiam ser incumbidas de apanhar e carregar coisas.
Um trabalhador dessa época recordava que começou a trabalhar "pouco depois de que iniciei a andar. [...] Minha mãe costumava bater o algodão sobre uma peneira de arame. Colocava-o, então, num recipiente marrom escuro, com uma espessa camada de espuma de sabão. Depois, dobrava minha roupa até a cintura e me colocava na tina para que eu pisasse sobre o algodão que jazia no fundo. [...] Esse processo prolongava-se até que o recipiente ficasse cheio e se tornava perigoso continuar ali dentro, - colocavam, então, uma cadeira ao meu lado, e eu me agarrava ao seu encosto".
O trabalho infantil estava profundamente arraigado nas atividades têxteis, despertando, com frequência, a inveja dos trabalhadores em ocupações onde as crianças não podiam trabalhar e aumentar o rendimento da família [...].
manufatureira, de tipo industrial, era realizada em domicílio, onde toda a família trabalhava. Em 1806, um trabalhador previa que, com o triunfo do sistema fabril "todos os trabalhadores pobres serão arrancados de suas casas e levados para as fábricas, e ali não contarão com a ajuda e a vantagem da presença de suas famílias, que tinham em suas casas".
De acordo com os padrões da época, a fábrica era uma novidade penosa e até mesmo brutal. As atividades domésticas eram mais variadas (e a monotonia é particularmente cruel para a criança).
Em circunstâncias normais, o trabalho doméstico não se prolongava ininterruptamente, seguindo um ciclo de tarefas. Podemos supor, nesse caso, que havia uma introdução gradual ao trabalho que respeitava a capacidade e a idade da criança, intercalando-o com a entrega de mensagens, a colheita de amoras, a coleta de lenha e as brincadeiras. Acima de tudo, o trabalho em domicílio era desempenhado nos limites da economia familiar, sob o cuidado dos pais. [...]
O crime do sistema fabril consistiu em herdar as piores feições do sistema doméstico, num contexto em que inexistiam as compensações do lar. Em casa, as condições da criança variavam de acordo com o temperamento dos pais ou do patrão e, de certa forma, seu trabalho era graduado de acordo com suas habilidades. Na fábrica, a maquinaria ditava as condições, a disciplina, a velocidade e a regularidade da jornada de trabalho, tornando-as equivalentes para o mais delicado e o mais forte.
O dia de uma criança trabalhadora começava às cinco e meia da manhã. Levava para a fábrica apenas um pedaço de pão, seu único alimento até o meio-dia. O trabalho não terminava antes das sete ou oito horas da noite. No final da jornada, elas já estavam chorando ou adormecidas em pé, com as mãos sangrando por causa do atrito com os fios têxteis. Seus pais davam-lhes palmadas para mante-las acordadas, enquanto os contramestres rondavam com correias.
Nas fábricas rurais, dependentes da energia hidráulica, eram comuns os turnos à noite ou as jornadas de quatorze a dezesseis horas diárias, em épocas de muito trabalho.
Adaptado de: THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. 3. ed. Rio de Janeiro, 2001. v. II. p. 184-210

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