segunda-feira, 21 de março de 2011

21 de março é a data mundial pelo fim da discriminação racial


Discriminação racial é passo atrás no processo civilizatório

Por: Ricardo Alvarez

Fonte: Site Controvérsia
O ano era 1960, em plena Guerra Fria. O mundo fervia por maiores liberdades políticas, sexuais e menos conservadorismo. As mulheres avançam em suas conquistas e a contracultura se opunha à cultura de massa, pasteurizada e mercantilista. A conquista do espaço ganhava novos capítulos com a navegação na órbita da Terra pelo cosmonauta soviético Yuri Gagarin, deixando os EUA loucos de raiva pelo pioneirismo.
A agitação era muito grande e os avanços sociais ocorriam em doses irregulares a depender da presença da massa na rua. Se a idéia era combater a guerra do Vietnã e defender a paz e a autodeterminação dos povos, era preciso muita passeata, manifestação e enfrentamento contra os conservadores que ocupavam postos chaves nesta disputa, seja à frente do governo, dos meios de comunicação e das grandes empresas transnacionais.
Ao mesmo tempo em que o governo Dwight Eisenhower jogava toneladas de bombas sobre o povo vietnamita e a mídia carregava nas tintas defendendo que a ação era absolutamente necessária em função do perigo “comunista”, milhares saiam às ruas exigindo a retirada das tropas e um mundo de paz. Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência.
Neste mesmo ano vigia uma das maiores aberrações políticas que se tem notícia no século XX: o regime racista do governo sul-africano. O apartheid não era apenas a presença do preconceito no país, era muito mais do que isso. Significava que o preconceito fazia parte do próprio governo, através de leis e políticas públicas discriminatórias.
Num país predominantemente negro, uma minoria branca, detentora dos meios de produção e do poder político, reprimia sistematicamente a população dedicando aos seus pares a melhor fatia das terras e dos bens públicos, restando aos negros a pobreza e a humilhação de serem estranhos em sua própria terra.
Apesar de passados tantos anos, é preciso relembrar os jovens de que o fim do regime do apartheid não se deu pela tomada de consciência dos governos sul-africanos ao longo do tempo, muito ao contrário: a violência se acirrava na medida em que as manifestações ganhavam corpo e voz. Foi assim que ele ruiu, diante da pressão social.
Um episódio marcante nesta jornada de lutas foi o massacre de Shaperville, um bairro da cidade de Joanesburgo. Um protesto pacífico de milhares de pessoas foi covardemente atacado pela polícia do estado racista deixando um saldo de 69 mortos e duas centenas e feridos. A partir de então a data é lembrada em todo mundo.
Muito outros viriam a tombar como o grande líder Steve Biko, homenageado por uma bela canção de Peter Gabriel que leva seu nome. Apesar do apoio das potências ocidentais, a pressão interna contrária ao regime foi se consolidando até que em 1994 o sistema desmoronou e o apartheid foi extinto. Evidentemente que o racismo ainda existe e os brancos são os mais ricos, mas as políticas discriminatórias foram abolidas.
Os EUA também viveram seu apartheid. Os estados sulistas, onde predominam latifúndios e fazendeiros conservadores, que lutaram na Guerra de Secessão (1861 a 1865) em defesa da escravidão e contra os estados do norte industrializados, mantinham leis que davam aos brancos vantagens e benefícios em relação aos negros, como por exemplo, destinar assentos de ônibus e vagas em escolas.
No estado do Alabama, em dezembro de 55, a costureira negra Rosa Parks se negou a cumprir a lei: não levantou para que um homem branco ocupasse seu lugar. Foi presa, mas seu ato desencadeou uma gritaria geral nos EUA que levou ao fim de qualquer lei racista no país.
Os exemplos são muitos de lutas contra a discriminação. O Brasil não fica fora do roteiro.
Embora as leis vão caindo uma a uma, no mundo todo, o racismo persiste basicamente como traço da cultura ocidental acostumada com a idéia da superioridade branca. A expansão das leis de mercado, o domínio generalizado do capitalismo e o desemprego estrutural deram uma nova roupagem à segregação: seres não mais necessários ao sistema se convertem em pessoas de segunda linha, invisíveis, descartáveis em grandes quantidades. A gama dos inservíveis, grande parte composta de negros, ganha agora o reforço dos árabes e imigrantes em geral, sejam eles africanos, latinos ou asiáticos.
Em tempos de crise econômica global o quadro se torna mais grave. Mais violentos se tornam os conflitos. Uma falsa idéia de igualdade entre os homens na liberdade em conseguir os meios de sobrevivência, entorpece mentes e nubla a visão de que o mercado é a lei do mais forte.
Há ainda os que tentam justificar a eliminação física de negros pobres nas periferias das grandes cidades, e há os que se sentem confortáveis em saber que chacinas cumpre o papel de “higienizador” social. Mas basta observar que a matança é parte de um processo violento de concentração de renda e riqueza, que se não rompido, provocará mais mortes numa roda-viva sem fim.
Perguntei em várias salas de aulas aos meus alunos, adolescentes, que citassem o nome de três cantoras baianas da atualidade. O resultado foi o mesmo em todos os casos: Claudia Leite, Daniela Mercury e Ivete Sangalo. Será que as negras não gostam de música, não fazem música num dos estados brasileiros de maior percentual de população negra? Ou será que a indústria fonográfica prefere se apropriar da musicalidade de um povo através das gargantas de artistas mais palatáveis ao centro-sul?
É assim que se faz. Repete-se exaustivamente uma mesma história numa ponta e se mostra os resultados evidentes na outra. De um lado a disputa entre iguais no mercado e de outro o predomínio dos brancos em postos chaves, e está feito o trabalho ideológico de mostrar quem é superior. O caso das cotas em Universidades no Brasil é um bom exemplo, pois um dos principais argumentos dos contrários é de que todos disputam em iguais condições.
E obviamente isto ocorre não apenas na música, mas em outras formas de expressão. Empregadas domésticas negras em novelas versus propagandas em revistas com belas mulheres de olhos claros; negros pobres na periferia de São Paulo sendo despejados de suas casas e de outro lado analistas brancos bem pagos comentando que o lugar é propriedade privada e deve prevalecer a justiça (do mais forte, evidentemente); negros realizando trabalhos braçais e brancos dirigindo grandes empresas.
Em meados de fevereiro deste ano o presidente dos EUA Barack Obama se reuniu com a nata do Vale do Silício na costa oeste (setor de alta tecnologia em informática e internet) com o objetivo de pensar ações para alavancar a economia do país que patina com a crise. Na mesa o único negro era o próprio Obama, os empresários todos brancos e apenas uma mulher. Repita-se esta cena, acostume seus olhos com este padrão e começarás a achar que isto é natural e não social.
Recentemente foi exibido no Brasil o filme Rede Social, que conta a história de Mark Zuckerberg, o criador do Facebook, que estava na reunião com Obama. Se o filme foi fiel ao que aconteceu o Sr. Zuckerberg está mais para pilantra do que herói, mas mesmo assim foi capa das Revistas Fortune e Time nos EUA e da Exame no Brasil. Sorte dele ter a pele clara e os olhinhos azuis, pois do contrário sua pele seria a desculpa das suas atitudes nada louváveis para “vencer na vida”.
Espero ansiosamente pelo dia em que as pessoas olhem para trás e dêem risada de quão estúpidos fomos por acreditar na superioridade de uma cor de pele. Luto para a brevidade desta data que seria o acelerar do processo civilizatório.

Ricardo Alvarez é geógrafo, é professor e editor do site Controvérsia

Nenhum comentário:

Postar um comentário