quarta-feira, 9 de março de 2011

Ética empresarial ?



Por: Albani de Barros

A temática da ética empresarial sob a legenda da responsabilidade social está em destaque na pauta das empresas nos dias atuais. Para incentivar tais práticas não faltam “selos sociais” e certificações, além de institutos e organizações que conferem a essas empresas um título de responsável socialmente, enquanto a mídia trata de reforçar a idéia de necessidade de tais ações, bem como é exigido um compromisso de toda a sociedade para a superação das diversas expressões da questão social por intermédio da ação coordenada em nome de uma suposta cidadania. 
A partir dessas considerações, verificamos que contraditoriamente a essa perspectiva, além da própria essência capitalista de buscar o lucro por todas as formas possíveis, o cenário econômico atual, marcado pela acirrada competição entre as empresas no mundo globalizado, apenas reforça a noção de que cada vez mais essas agem com agressividade no mundo dos negócios. Dessa forma, as ações de responsabilidade social não são uma necessidade para a sobrevivência da iniciativa privada. O que mantém uma empresa saudável do ponto de vista financeiro, e isso é o que de fato interessa ao capitalista, é a sua lucratividade. Apesar disso, há uma retórica que procura estabelecer um vínculo entre ética e empresa moderna. No mundo contemporâneo, o que se tornou característica de uma empresa lucrativa não foram as ações sociais por ela praticadas; hoje, um empreendimento é conceituado como de sucesso, quando consegue obter uma alta taxa de lucratividade a partir da utilização de uma força de trabalho cada vez menor, isso sim, é exemplo de lucratividade. Já para o trabalhador o significado disso é a intensificação da exploração.
Existe na atualidade todo um debate que coloca em evidência a ética empresarial e as ações de responsabilidade social, não estando tal temática restrita ao âmbito empresarial, pois em praticamente todas as esferas da sociedade esse discurso encontra ressonância. Percebe-se que mesmo nos movimentos sindicais existe uma conformidade e aceitação, como sendo essa uma das alternativas possíveis ao enfrentamento das expressões da questão social.
Ao mesmo tempo, no interior da produção eleva-se a exploração dos trabalhadores. Esses não conseguem se enxergar como pertencentes a uma classe, e a busca imediata pelas condições materiais para sua sobrevivência impõe aos trabalhadores a resignação diante do próprio sofrimento. Mais que uma conformidade, incide uma coerção e exploração consentida pelo operário. Como descreve Alves (2000, p. 39), verifica-se uma “captura da subjetividade operária pela produção do capital”. Isso ocorre pelo engajamento do trabalhador no processo produtivo, que repassa gratuitamente soluções e idéias para o aperfeiçoamento e elevação da produtividade, tendo como retorno um insignificante ganho se comparado com os lucros obtidos no mesmo período, ou apenas a possibilidade de manutenção de seu emprego.
Para uma compreensão sobre a falta de articulação do discurso subjetivo e a objetividade posta, é oportuno citar um conhecido enunciado de Kant (2002), em que ele diz que os homens não devem ser tratados como meios, que não devemos pensar o homem como um objeto, dito de outra forma, que os homens devem ser sempre os fins, jamais os meios. Não parece haver muitas discordâncias de que este pensamento é correto, que é um esforço subjetivo válido. Todavia, quando observamos o que acontece no interior de uma fábrica, o que encontramos é exatamente o oposto: é o homem sendo usado exatamente como um meio para produzir uma riqueza que será apropriada pelo seu patrão. Então o trabalhador é o meio, servindo à finalidade dos burgueses.
Ao que parece, existe um ponto de obscuridade entre a subjetividade do discurso e objetividade da vida cotidiana, ou uma falta de entendimento da articulação entre essas duas esferas. Efetivamente, o que constatamos é o alargamento da desigualdade social, o desemprego, a miséria e a exploração do homem pelo homem, enquanto a subjetividade do discurso indica uma outra situação, que se torna insustentável ao verificarmos a real condição a que está submetida a classe trabalhadora.
Quando uma empresa projeta seu plano estratégico de negócios visando o alcance de determinadas metas para obtenção de vendas e de lucros, não convida a sociedade civil para participar, pois isso só interessa a ela mesma. Entretanto, quando o assunto é da esfera social, a iniciativa privada, tendo por instrumento a responsabilidade social corporativa se coloca como portadora de um súbito espírito altruísta capaz de corrigir toda perversão gerada pelo processo de produção e reprodução do capital.
Entretanto, no interior do pensamento liberal já existem discordâncias quanto à necessidade de as empresas praticarem ações de responsabilidade social. Reich (2007, p. 75)[1] defende explicitamente que “as empresas não foram criadas para ser instituições de caridade. E, hoje, elas têm menos condições de desempenhar esse papel”. E ainda indaga: “[...] quem dá aos executivos das empresas o direito de decidir o que é de interesse público?”. A resposta para essa indagação é relativamente simples, a classe trabalhadora não concede aos executivos esses direito, até porque o interesse da classe proletária é frontalmente oposto ao da classe burguesa; enquanto a primeira objetiva o trabalho emancipado, a segunda procura eliminar essa possibilidade e, para tanto, a ofensiva contra os trabalhadores tem sido a característica que mais do que nunca presenciamos no mundo contemporâneo das relações de produção.
O momento histórico em que o discurso da ética se intensifica e a forma como a responsabilidade social age, desconsiderando o problema que se encontra na raiz da desigualdade social, definem as condições e as características que vão modelar as ações sociais no período toyotista. Somam-se a isso os interesses “estratégicos”, que sutilmente são omitidos. Essas considerações nos fazem refletir que as necessidades urgentes e imediatas por que passam os seres humanos na sociedade capitalista velam a verdadeira essência que existe na gênese do discurso ético empresarial. 
Quando o assunto refere-se à ética empresarial, a subjetividade do discurso por um lado diz uma coisa, mas, por outro, a objetividade do real é algo muito distinto, são partículas que se movem para lados opostos. Se considerarmos que indubitavelmente a dignidade humana é o mais alto valor idealizado pela ética empresarial, o capital ao transformar homens e mulheres em mercadorias elimina completamente esse ideal. O capitalismo se sustenta pela exploração de classes, e a acumulação constante é necessária a sua continuidade. Obedecendo a essa lógica, com desenvolvimento e à sofisticação do modelo de produção, o capital consegue por seus mecanismos de dominação e alienação do trabalhador intensificar cada vez mais a exploração.
Como fruto desse processo, entrega a classe trabalhadora os perversos efeitos produzidos por essa intensificação da exploração. São as expressões da questão social, desemprego, analfabetismo, violência, fome etc., que são repartidas entre os indivíduos da classe trabalhadora. O conceito de ética dentro de um princípio de valoração do ser humano passa a ser insustentável e impossível de se tornar real, correspondendo tão somente a uma ação do capital para manutenção da própria hegemonia, ante o risco dessa reprodução em razão do aumento da exploração. Portanto, ética, enquanto busca de um bem coletivo, é incompatível com a exploração do homem pelo homem. Assim, a ética empresarial se constitui em um discurso ideológico que ajuda  a manter a passividade dos trabalhadores e o aniquilamento de sua identidade de classe.
É inconcebível realizar uma abordagem do tema da ética empresarial sem levar em consideração o processo histórico compreendido na luta de classes e ignorar as condições objetivas. A ausência desse referencial encobre as verdadeiras razões desse discurso ético, trazendo a falsa ilusão de que corresponde a ações compromissadas com a resolução dos graves problemas sociais vividos pela classe trabalhadora. Dessa forma, se Mészáros (2006), Gounet (2002), Antunes (2006) e Lessa (2007) nos trazem as reflexões sobre o mundo contemporâneo das relações de produção e repercussões para a classe trabalhadora ocorridas com o advento da reestruturação produtiva, a base da problemática da produção capitalista e a elevação da exploração, bem como o aumento do desemprego, encontram-se na lei geral da acumulação descrita por Marx, reforçando a constatação de que esses paradigmas, apesar de caracterizarem um modelo produtivo, são em sua instância suprema parte da lógica do capital, da busca brutal e desmedida pelo lucro, mascarando a realidade social a partir da idelogia do comportamento ético através da responsabilidade social.
Ao analisarmos a perspectiva da responsabilidade social na atualidade, com o domínio do modelo de produção toyotista, sob a batuta econômica das regras do neoliberalismo e seu descompromisso social, verificamos uma contraditória situação: a emergência do discurso da ética empresarial confrontando-se com o aumento da exploração do trabalhador, o alargamento do fosso de desigualdades e a ampliação do desemprego, trazendo, por conseguinte o rebaixamento das condições materiais de subsistência da classe trabalhadora e da sua fragmentação enquanto classe.
Assim, confirmamos a partir do referencial teórico que balizou este estudo que há uma ética empresarial específica deste segmento que se configura como uma negação da concepção histórica da ética, porque nega as bases de valoração humana, a qual propicia o bem comum a todos e não somente aos interesses particulares. Dessa forma, o que verificamos é uma “anti-ética” que ignora a justiça e a solidariedade, que aceita e incentiva a intensificação da exploração do trabalhador por meio da ideologia da responsabilidade social via projetos e ações sociais. Anti-ética porque prega a exploração do homem pelo homem.
Impossível legitimar as ações da chamada responsabilidade social ancoradas na ética empresarial como correspondentes aos verdadeiros interesses da classe trabalhadora. O verdadeiro interesse da ética empresarial não tem por objetivo eliminar a situação de desigualdade e de exploração, muito pelo contrário, a finalidade desse compromisso tem objetivado a conservação desse perverso sistema. Dignidade humana e capital se movem para lados opostos e só mesmo a ilusão de um discurso ético é capaz de uni-los.

 ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do trabalho – ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho.  São Paulo: Boitempo Editorial, 2006.

GOUNET, Thomas, Fordismo e Toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002.

LESSA, Sérgio. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2007.

KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.

MÉSZÁROS, István. O século XXI socialismo ou barbárie? São Paulo: Boitempo Editorial, 2006.

REICH, Robert. Ação social é só relações públicas, Revista Época, n. 490. São Paulo: Ed. Globo, 2007.



[1] Em entrevista publicada na revista Época, intitulada “Ação social é só relações públicas”, o professor de políticas públicas da Universidade da Califórnia, Robert Reich, autor do livro recém-lançado nos Estados Unidos Supercapitalism (ainda sem tradução para o português), faz uma pesada crítica à responsabilidade social.

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