domingo, 29 de maio de 2011

Belíssima entrevista de Eduardo Galeano


Pequeno trecho da entrevista:



O medo ameaça: se você ama, terá Aids.
Se fuma, terá câncer.
Se respira, terá contaminação.
Se bebe, terá acidentes.
Se come, terá colesterol.
Se fala, terá desemprego.
Se caminha, terá violência.
Se pensa, terá angústia.
Se duvida, terá loucura.
Se sente, terá solidão.
Em um dos meus livros eu citei uma frase dele, dizendo que era dele e as pessoas atribuem ela a mim. Pobre Fernando, mas é dele. Estávamos juntos em Cartagena das Índias, a belíssima cidade colombiana, e fizemos uma palestra juntos na universidade. E no final, um dos estudantes se levantou e perguntou pra ele, não para mim: “Para que serve a utopia?”. E ele respondeu da melhor forma, eu nunca escutei uma resposta melhor. Ele disse que se fazia essa pergunta todos os dias, ‘para que servia a utopia’, se é que a utopia servia para alguma coisa. Ele disse: “Vejam bem, a utopia está no horizonte, e se está no horizonte eu nunca vou alcançá-la porque, se caminho dez passos, a utopia vai se distanciar dez passos. E se caminho vinte passos, a utopia vai se colocar vinte passos mais além, ou seja, eu sei que jamais vou alcançá-la. Para que serve? Para isso, para caminhar”.

Quem quer ser professor?

Por: Tory Oliveira  - Fonte Site Controvérsia
              
Você é louca!” “É tão inteligente, sempre gostou de estudar, por que desperdiçar tudo com essa carreira?” Ligia Reis (foto a dir.), de 23 anos, ouviu essas e outras exclamações quando decidiu prestar vestibular para Letras, alimentada pela ideia de se tornar professora na Educação Básica. Nas conversas com colegas mais velhos de estágio, no curso de História, Isaías de Carvalho, de 29 anos, também era recebido com comentários jocosos. “Vai ser professor? Que coragem!” Estudante de um colégio de classe média alta em São Paulo, Ana Sordi (foto a esq.), de 18 anos, foi a única estudante de seu ano a prestar vestibular para Pedagogia. E também ouviu: “Você vai ser pobre, não vai ter dinheiro”. Apesar das críticas, conselhos e reclamações, Ligia, Isaías e Ana não desistiram. No quinto ano de Letras na USP, Ligia hoje trabalha como professora substituta em uma escola pública de São Paulo. Formado em História pela Unesp e no quarto ano de Pedagogia, Isaías é professor na rede estadual na cidade de São Paulo. No segundo ano de Pedagogia na USP, Ana acompanha duas vezes por semana os alunos do segundo ano na Escola Viva.
Quando os três falam da profissão, é com entusiasmo. Pelo que indicam as estatísticas, Ligia, Isaías e Ana fazem parte de uma minoria. Historicamente pressionados por salários baixos, condições adversas de trabalho e sem um plano de carreira efetivo, cursos de Pedagogia e Licenciatura – como Português ou Matemática – são cada vez menos procurados por jovens recém-saídos do Ensino Médio. Em sete anos, nos cursos de formação em Educação Básica, o núsmero de matriculados caiu 58%, ao passar de 101.276 para 42.441.
Atrair novas gerações para a carreira de professor está se firmando como um dos maiores desafios a ser enfrentado pela Educação no Brasil. Não por acaso, a valorização do educador é uma das principais metas do novo Plano Nacional de Educação. Uma olhadela na história da educação mostra que não é de hoje que a figura do professor é institucionalmente desvalorizada. “Há textos de governadores de província do século XIX que já falavam que ia ser professor aquele que não sabia ser outra coisa”, explica Bernardete Gatti, da Fundação Carlos Chagas, coordenadora da pesquisa Professores do Brasil: Impasses e desafios. No entanto, entre as décadas de 1930 e 1950, a figura do professor passou a ter um valor social maior. Tal perspectiva, porém, modificou-se novamente a partir da expansão do sistema de ensino no Brasil, que deixou de atender apenas a elite e passou a buscar uma universalização da educação. Desordenada, a expansão acabou aligeirando a formação do professor, recrutando muitos docentes leigos e achatando brutalmente os salários da categoria como um todo.
Raio X
Encomendada pela Unesco, a pesquisa Professores do Brasil: Impasses e desafios revelou que, em geral, o jovem que procura a carreira de professor hoje no Brasil é oriundo das classes mais baixas e fez sua formação na escolas públicas. Segundo dados do questionário socioeconômico do Enade de 2005, 68,4% dos estudantes de Pedagogia e de Licenciatura cursaram todo o Ensino Médio no setor público. “De um lado, você tem uma -implicação muito boa. São jovens que estão procurando ascensão social num projeto de vida e numa profissão que exige uma formação superior. Então, eles vêm com uma motivação muito grande.”
É o caso de Fernando Cardoso, de 26 anos. Professor auxiliar do quinto ano do Ensino Fundamental da Escola Viva, Fernando é a primeira pessoa de sua família a completar o Ensino Superior. Sua primeira graduação, em Educação Física, foi bastante comemorada pela família de Mogi-Guaçu, interior de São Paulo. O mesmo aconteceu quando ele resolveu cursar a segunda faculdade, de Pedagogia.
Entretanto, pondera Bernardete, grande parte desse contingente também chega ao Ensino Superior com certa “defasagem” em sua formação. A pesquisadora cita os exemplos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que revela resultados muito baixos, especialmente no que diz respeito ao domínio de Língua Portuguesa. “Então, estamos recebendo nas licenciaturas candidatos que podem ter dificuldades de linguagem e compreensão de leitura.”
Segundo Bernardete, esse é um efeito duradouro, uma vez que a universidade, de forma geral, não consegue suprir essas deficiências. Para Isaías Carvalho, esta é uma visão elitista. “Muitos professores capacitados ingressam nas escolas e estão mudando essa realidade. Esse discurso acaba jogando toda a culpa nos professores”, reclama.
Desde 2006, Isaías Carvalho trabalha como professor do Ensino Fundamental II e Ensino Médio em uma escola estadual em São Paulo. Oriundo de formação em escolas públicas, Isaías também é formado pelo Senai e chegou a trabalhar como técnico em refrigeração. Só conseguiu passar pelo “gargalo do vestibular” por causa do esforço de alguns professores da escola em que estudava na Vila Prudente, zona leste de São Paulo. Voluntariamente, os professores davam aulas de reforço pré-vestibular de graça para os alunos, nos fins de semana. “Os alunos se organizavam para comprar as apostilas”, lembra. Foi durante uma participação como assistente de um professor na escola de japonês em que estudava que Antônio Marcos Bueno, de 21 anos, resolveu tornar-se professor. “Um sentimento único me tocou”, exclama. Em busca do objetivo, saiu de Manaus, onde morava, e mudou-se para São Paulo. Depois de quase dois anos de cursinho pré-vestibular, Antônio Marcos está prestes a se mudar para a cidade de Assis, no interior do Estado, onde vai cursar Letras, com habilitação em japonês.
Entretanto, essa visão enraizada na cultura brasileira de que ser professor é uma missão ou vocação – e não uma profissão – acaba contribuindo para a desvalorização do profissional. “Socialmente, a representação do professor não é a de um profissional. É a de um cuidador, quase um sacerdote, que faz seu trabalho por amor. Claro que todo mundo tem de ter amor, mas é preciso aliar isso a uma competência específica para a função, ou seja, uma profissionalização”, resume Bernardete.
Contra a corrente
Ainda assim, o idealismo e a vontade de mudar o mundo ainda permanecem como fortes componentes na hora de optar pelo magistério. Anderson Mizael, de 32 anos, teve uma trajetória diferente da maioria dos seus colegas da PUC-SP. Criado na periferia de São Paulo, Anderson sempre estudou em escolas públicas. Adulto, trabalhou durante cinco anos como designer gráfico antes de resolver voltar a estudar. Bolsista do ProUni, que ajuda a financiar a mensalidade, Anderson é um dos poucos do curso de Letras que almejam a posição de professor de Literatura. “Eu tenho esse lado social da profissão. O ensino público está precisando de bons professores, de gente nova”, explica ele, que acaba de conseguir o primeiro estágio em sala de aula, em uma escola no Campo Limpo, zona sul da capital. Ana, que hoje trabalha em uma escola de elite, sonha em dar aula na rede pública. “São os que mais precisam.” “Eu sempre quis ser professora, desde criança”, arremata Ligia.
A empolgação é atenuada pela realidade da escola – com as já conhecidas salas lotadas, falta de material e muita burocracia. Ligia Reis reclama. “Cheguei, ganhei um apagador e só. Não existe nenhum roteiro, nenhum amparo”, conta. “Às vezes, você é um ótimo professor, tem várias ideias, mas a escola não ajuda em nada”, desabafa. Ligia também conta que, para grande parte de seus colegas de graduação, dar aula é a última opção. “A maioria quer ser tradutor ou trabalhar em editoras. É um quadro muito triste.”
Como constatou Ligia, de forma geral, jovens oriundos de classes mais favorecidas, teoricamente com uma formação mais sólida e maior bagagem cultural, acabam procurando outros mercados na hora de escolher uma profissão. “Eles procuram carreiras que oferecem perspectivas de progresso mais visíveis, mais palpáveis”, explica Bernardete. Um dos motivos que os jovens dizem ter para não escolher a profissão de professor é que eles não veem estímulo no magistério e os salários são muito baixos, em relação a outras carreiras possíveis. “Meu avô disse para eu prestar Farmácia, que estava na moda”, lembra Ana.
A busca pela valorização da carreira de professor passa também, mas não somente, por políticas de aumento salarial. Além de pagar mais, é preciso que o magistério tenha uma formação mais sólida e, principalmente, um plano de carreira efetivo. “Um plano em que o professor sinta que pode progredir salarialmente, a partir de alguns quesitos. Mas que ele, com essa dedicação, possa vir a ter uma recompensa salarial forte”, conclui a pesquisadora.
Anderson, Ligia, Ana, Isaías, Antônio e Fernando torcem para que essa perspectiva se torne realidade. “Eu acho que, felizmente, as pessoas estão começando a tomar consciência do papel do professor. É uma profissão que, no futuro, vai ser valorizada”, torce Anderson. “É uma profissão, pessoalmente, muito gratificante.” “Às vezes, eu chego à escola morta de cansaço, mas lá esqueço tudo. É muito gostoso”, conta Ana.

Fonte: http://www.cartacapital.com.br

Resumo do prólogo de J. P. Netto sobre "Para a questão judaica"




Por: Albani de Barros


        A primeira do século XIX na Alemanha, é marcada por uma situação econômica, social e política que Netto (2009) descreve  como sendo a “miséria alemã”. Alguns aspectos caracterizavam essa situação, além da pobreza material que assolava intensamente a massa da população, o incipiente desenvolvimento das forças produtivas; caracterizado pela baixa industrialização do país, principalmente se comparado com Inglaterra e França; o perfil econômico ainda essencialmente rural e a incapacidade da burguesia alemã de se colocar em posição hegemônica naquele momento histórico, eram os aspectos que assinalavam a “miséria alemã”. Contudo, tal qual Netto descreve, o aspecto mais profundo e íntimo dessa situação “era o atraso das suas instituições sociopolíticas” (2009, p. 10).
            Nesse quadro, a questão da religião era tomada como um dos aspectos nodais do debate filosófico da Alemanha de então, visto que o Estado prussiano ainda mantinha restrições para os judeus, se caracterizando como um Estado não laico, guardando ainda típicos traços do período feudal.
            Do ponto de vista político na Alemanha, o reinado de Frederico Guilherme III, demonstrava um forte interesse na manutenção da ordem feudal e na defesa dos interesses ligados a velha ordem, inclusive com repressão “as tendências democratizantes e liberais e combatendo os projetos que apontavam para uma Alemanha unificada sob bases constitucionais” (Ibidem, p. 11). A condução das instituições sociopolíticas na Alemanha seguia num caminho de oposição e bloqueio aos processos revolucionários típicos de matriz burguesa, ocorridos na Inglaterra e principalmente na França. O fato é que, se o Estado alemão colocava obstáculos a realização dos interesses burgueses, a burguesia alemã também se mostrava incompetente para impor sua vontade e realizar seus interesses. A oposição de Frederico Guilherme aos avanços constitucionais ganhara força na medida em que a burguesia alemã era ineficiente na condução de seu projeto político.

A oposição intelectual: a esquerda hegeliana.

            A oposição ao regime político alemão não encontrava ressonância entre o proletariado, visto que esse ainda era um grupo incipiente em razão da revolução industrial na Alemanha não ter avançado tão firmemente tal qual ocorrera na França e mais ainda na Inglaterra. Já a burguesia prussiana, como já relatada, demonstrava uma enorme incapacidade de enfrentamento às forças da velha ordem. Dessa forma, a crítica a esse regime prussiano comandao por Frderico Guilherme  não fora efetivada nem pelo movimento operário, nem pela burguesia, entre os anos de 1830 e 1840, tal crítica foi conduzida pela jovem intelectualidade alemã (NETTO, 2009).
            Netto (Ibidem) comenta de forma pertinente que a “miséria alemã” não impediu que ocorresse “um extraordinário acúmulo intelectual e filosófico e literário” (Ibidem, p. 13), entre os seculos XVIII e XIX, expressos em diversos expoentes intelectuais de origem alemã, dos quais podemos mencionar Kant, Goethe, Schiller e Hegel, apenas para citar alguns.
            Entre esses expoentes teóricos, são as concepções hegelianas aquelas que irão influenciar o pensamento da jovem intelectualidade que fará a crítica a condução política da Alemanha ao final da primeira metade do século XIX, é a chamada esquerda hegeliana. É bem verdade que tais concepções não tinham uma unidade homogênea, Engels relata que: “O conjunto da doutrina de Hegel dava bastante margem [...] a que nela se abrigassem as mais diversas idéias partidárias práticas” (ENGELS, apud NETTO, 2009, p. 13).
            Conforme esclarece Netto (2009),  a cisão fundamental ocorria em razão de uma dualidade na interpretação das idéias de Hegel. De um lado, uma corrente de intelectuais compreendia o sistema hegeliano pela aceitação do Estado como o elemento racional e universal, representando o fim da história, estes eram tidos como a direita hegeliana. Do outro lado, aqueles que também partindo das teses de Hegel, principalmente de seu método, compreendiam que o movimento da história não teria fim com o Estado, esses seriam chamados de a esquerda hegeliana.
            Os jovens hegelianos fizeram sua critica a “miséria alemã”, e inicialmente incorporaram um discurso liberal as suas teorias, entre esses intelectuais, está Arnold Ruge, ao qual Marx fará uma dura crítica no final da década de 1840 no seu texto “Glosas Críticas”. Contudo, o principal expoente da intelectualidade jovem alemã na década de 1830 e inicio da década seguinte será Bruno Bauer. O próprio Marx fará uma aproximação com Bauer, que ocorre, conforme relata Netto (2009), no inverno de 1838-1839, estabelecendo com Bauer laços de amizade e principalmente respeito, contudo, tal qual poderemos ver, também de crítica as suas idéias.

Os caminhos de Bauer

            Bauer era professor de teologia na Universidade de Berlin, na qual Hegel chegou a ser reitor até 1831, ano em que morre vítima de cólera. Na interpretação de Bauer feira por Cornu, este entendia que: “A ação atual da crítica deveria orientar-se, de acordo com Bauer, para libertar o espírito  e sua encarnação mais elevada, o Estado, do poder da religião” (CORNU, apud NETTO, p. 16). Na concepção liberal de Bauer, o Estado não laico, era um problema a ser enfrentado. De certa forma, tal convicção expressava também os limites e as ilusões do pensamento liberal, que apostava na emancipação política.
            Foi com esse espírito ilusionista que Bauer saudara a chegada ao poder de Frederico Guilherme IV em 1840, tendo a expectativa que o novo monarca redirecionasse o poder estatal prussiano diferente de seu antecessor. Contudo, na prática, a chagada de Frederico Guilherme IV não alterou o conteúdo limitador da nova ordem imposto pelomonarca que o antecedera. No tocante aos seguidores de Hegel, o novo monarca os perseguiu, excluindo vários deles dos círculos acadêmicos, inclusive o próprio Bauer (NETTO, 2009).
            Bauer continuou com sua crítica a religião, sempre nos limites da crítica política, deslocando para posições cada vez mais radicalmente liberais. Netto acrescenta que “Bauer vai deslizar progressivamente para um criticismo abstrato, formulado num radicalismo verbal que apenas dissimulava o crescente isolamento do autor em face ao movimento social real” (Ibidem,  p. 180. Em seu texto a Questão judaica, Marx (2009) fará uma crítica as ideias de Bauer em seu período de caráter mais liberal datados entre os anos de 1840 e 1842.

Marx: um democrata radical em trânsito para o comunismo

Marx obtém seu título de doutor em filosofia em Abril de 1841, na Universidade de Jena na Alemanha, conforme Netto (2009), há estudiosos da trajetória teórica de Marx que sugerem influencias de Bauer  na dissertação final de Marx. Inicialmente Marx vai ensinar na Universidade Berlim, espaço em que lecionavam diversos outros jovens hegelianos de sua época, entretanto, a ação do novo monarca Frederico Guilherme IV impede que a trajetória acadêmica de Marx seja prolongada, com nomeação de um antigo inimigo teórico de Hegel em cargo de comando na Universidade de Berlim, vindo essa situação a culminar com a demissão de inúmeros hegelianos, inclusive o próprio Marx.
Na impossibilidade de seguir lecionando em Berlim, Marx ingressa no jornalismo em 1842 (Ibidem), fazendo parte de um jornal da Renania, financiado pela burguesia e chamado Gazeta Renana, no qual em breve assumiria o posto de chefe editorial, sua missão era realizar um dura crítica ao governo de Frederico Guilherme IV. Quanto a esse respeito, Marx será competente em realizar essa crítica, entretanto, um acordo entre a burguesia e o rei fazem a verba para o custeio do jornal desaparecer e Marx deixar o periódico (Ibidem).
De acordo com Netto (Ibidem), é nessa experiência jornalística que Marx tem sua primeira experiência política. Ainda que o entendimento teórico da questão do Estado não esteja completamente nítido e esclarecido, Marx já entende o jogo de interesses existente entre a burguesia e poder político, bem como percebe a ilusão de neutralidade do Estado perante as classes, além disso, também compreende o equívoco de Hegel ao defender o Estado como uma esfera de realização universal. Também verifica “a covardia da burguesia liberal, que prefere os conchavos à luta conseqüente pelos seus proclamados ideais de liberalismo” (Ibidem, p. 19).
Tal qual Netto (Ibidem) destaca, essa experiência jornalística de Marx no inicio da década de 1840 trata-se um momento importante para a transição do jovem Marx, radicalmente democrata, para o caminho ao comunismo, ainda que o contato com o movimento propriamente comunista venha a ocorrer somente algum tempo depois quando de sua estadia em Paris.
Conforme Netto esclarece:

Marx compreendeu os limites do liberalismo burguês. [...] Fica claro para Marx, que o horizonte da filosofia hegeliana não dava conta dos problemas histórico-concretos da contemporaneidade – seria necessário is além da filosofia para intervir ativamente na realidade social (2009, p. 19-20).

Além desse aspecto vivido por percebido por Marx em razão dos fatos acontecidos durante sua breve passagem na Gazeta Renana, há também um outro aspecto simultâneo a experiência jornalística, que ocorre na sua trajetória intelectual, que foi a  aproximação com as ideias de Ludwig Feuerbach  e do pensamento de Moses Hess, que trabalhou com Marx no mesmo jornal (Ibidem). De Feuerbach vinha uma forte crítica as teorias de Hegel, corroborando para a passagem de Marx ao materialismo. Quando a Hess, o legado deste para a Marx foram a preocupação e o interesse de Hess pelos movimentos anticapitalistas.
Sem o emprego no Jornal, Marx deixa a Alemanha em direção a França, com o interesse de lá se associar a Arnold Ruge num periódico que expressaria a “reflexão filosófica alemã ao pensamento social francês” (NETTO, 2009, p. 20). Antes de partir Marx se casa e passa cerca de três meses em Kreuznack, momento em que Netto considera fundamental na sua trajetória intelectual. É nesse período que Marx reflete sobre sua experiência no jornal renano e dedica boa parte o tempo a estudar as obras políticas da modernidade, desde Maquiavel, passando por Montesquieu e Rousseau, além de estudos sobre a Revolução Francesa. É a partir de então que Marx consolida sua crítica a Hegel, principalmente na teoria hegeliana do Estado.
De acordo com Netto, é nesse período “que Marx elabora Para a questão Judaica” (Ibidem, p. 21). Nesse texto Marx crítica duramente com, a liberalismo existente entre os jovens hegelianos, em especial Bauer. É bem verdade que essa recusa ao liberalismo não era ainda uma afirmação completa de sua perspectiva revolucionária proletária. No tocante a recusa das ideias de Bauer, Marx aponta suas debilidades, “critica seus fundamentos e sua posição – mas o faz com respeito e assinala os seus méritos” (Ibidem, p. 21-22).

Bauer e Marx: duas abordagens à “questão judaica”.

O Estado não laico na Alemanha da primeira década do século XIX vedava aos judeus o exercício de direitos civis e políticos, a conquista dos direitos civis dos judeus ganha importância no debate prussiano, tornando-se uma reivindicação efetuada pelos liberais da época (NETTO, 2009).
Entre os que analisavam a situação dos judeus estava Bauer, no qual entendia que um Estado cristão como o prussiano, impedia a emancipação dos judeus, conforme Netto esclarece sobre o pensamento de Bauer “num Estado cristão ninguém está emancipado” (Ibidem, p. 22). No entendimento de Bauer, a reivindicação dos judeus de emancipação não faz sentido, pois tal solicitação é incompatível com um Estado cristão. Conforme Netto, a desqualificação de Bauer à proposta dos judeus avança ainda mais na medida em que considera a religião cristã de caráter universal, se contrapondo ao judaísmo, de caráter mais particular. Dessa forma, estaria o judeu “menos habilitado à emancipação que o cristão” (Ibidem, p. 23).
Conforme esclarece Netto, esse tratamento dado a questão judaica por Bauer é principalmente de caráter religioso, entendendo que a emancipação política está condicionada a emancipação religiosa, sendo assim, cristãos e judeus teriam que abrir mão de sua religião para alcançar a emancipação política, pois nem cristão e muito menos judeus poderiam realizar a emancipação política, em razão dos entraves que a religião provocava.
Marx não concordava com Bauer, para ele, a existência de um Estado laico, não significava a emancipação dos homens da religião, também não considera que a renúncia dos judeus à sua religião é um fundamento indispensável para a emancipação política. Os homens podem emancipar politicamente sem abdicar da religião, contudo, adverte Marx que essa emancipação política, não sendo a emancipação humana, não torna esses homens efetivamente livres (Ibidem).
Marx em Para a questão judaica, não tinha ainda um esboço de sua perspectiva revolucionária, portanto, de uma nova ordem societária radicalmente diferente da sociedade burguesa. Entretanto, ao assinalar os limites da emancipação política, sem no entanto, desconsiderar seus avanços, faz uma crítica a burguesia que tinha conduzido a sociedade para emancipação política, algo avançado em relação a velha ordem, porém pouco e rigorosamente insuficiente se considerar a necessidade de emancipar o homem plenamente.

NETTO, José Paulo. Prólogo, in MARX, Karl. Para a questão judaica. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

sábado, 14 de maio de 2011

Terror econômico: a dura vida dos trabalhadores nos EUA

Na semana passada, o Gallup informava que “mais da metade dos estadunidenses diz que a economia está em recessão apesar dos dados oficiais, empenhados em mostrar uma recuperação moderada. A pesquisa Gallup de 20-23 de abril descobriu que só 27% diz que a economia cresce. Outros 29% dizem que a economia encontra-se em depressão, 26% que se trata de uma recessão, enquanto 16% acreditam que ela está em desaceleração”.

Assim, 55% dos estadunidenses acreditam que o país está em uma depressão ou em uma recessão, cinco anos depois do estouro da bolha imobiliária (2006) e três anos depois do colapso de Lehman Brothers (2008). Os resultados obtidos pelo Gallup batem com os de outras pesquisas que revelam um crescente desespero na opinião pública. Uma pesquisa Globescan, por exemplo, descobriu que uma boa quantidade de estadunidenses deixou totalmente de acreditar no capitalismo de livre mercado, enquanto que outras sondagens mostram uma confiança decrescente nas instituições governamentais, na Reserva Federal (FED), no Congresso, no sistema judiciário e nos meios de comunicação.

A propósito disso eis aqui o que foi dito no New York Times:

“De acordo com a última sondagem de opinião de New York Times/CBS News, os estadunidenses estão mais pessimistas do que em nenhum outro momento desde o segundo mês da presidência de Obama a respeito das perspectivas econômicas e dos rumos gerais da nação. Durante os primeiros meses de Obama, o país ainda estava imerso na Grande Recessão (...). Captando o que parece ser uma abrupta mudança de atitude, a pesquisa mostra que o número de estadunidenses que acreditando que a economia piorou saltou 13 pontos percentuais em apenas um mês”.

“A frustração a respeito dos rumos do crescimento econômico só tem aumentado: em outubro passado, 28% dos entrevistados dizia que a economia estava piorando; nesta última sondagem esse número saltou para 39%”. (Nation’s Mood at Lowest Level in Two Years, Poll Shows, New York Times).


Nem toda a propaganda produzida conseguiu alterar a opinião pública, que está convencida de que as coisas estão piorando. E as coisas estão, de fato, piorando, a não ser que você seja executivo de um fundo de investimentos ou pertença à nata de Goldman Sachs. Para estes, as coisas nunca foram melhores. A Reserva Federal inundou o mercado com o combustível supersônico das baixas taxas de juros e tudo vai bem no mundo da bolha de Wall Street. Mas se você for um dos 3 milhões de trabalhadores mais estropiados, o mais provável é que esteja cruzando os dedos no fim do mês à espera de que o crédito de seu cartão não tenha ultrapassado o limite na hora de pagar a mercearia, sob pena de sair envergonhado pela porta por onde entrou. Eis o que disse o Wall Street Journal, ao explicar os êxitos da FED:

“Desde o dia 27 de agosto do ano passado – dia em que Ben Bernanke lançou as bases de sua segunda “flexibilização quantitativa” – os investidores se lançaram a investimentos de maior risco. Desde o dia 26 de agosto, o índice Standard&Poor’s para 500 valores subiu 28%. Valores menores e geralmente de maior risco tiveram melhores resultados todavia com o índice Russell 2000 para pequenas empresas, produzindo lucros de 41% (...)”

“Os bônus das corporações empresariais dispararam e os preços das matérias primas também subiram espetacularmente. O ouro subiu 22% desde o dia 26 de agosto, e a prata 143%, batendo-se em ambos casos marcas nominais históricas. Até a demanda de títulos hipotecários subprime, tão injuriados como causadores da crise financeira, voltou a crescer” (“FED Searches for Next Step”, Wall Street Journal”).


Em alta, em alta e mais em alta. Tudo em alta. O índice S&P’s 28%; o índice Russell, 41%; e até se registra uma febril demanda de títulos hipotecariamente respaldados. Graças às alegres políticas monetárias de Bernanke, os mercados estão disparados, enquanto que os trabalhadores debilitam-se em um afundamento sem fim, capazes apenas de chegar ao fim do mês. A disparidade entre ricos e pobres é maior agora do que em nenhum outro momento desde a Era da Cobiça (a última terça parte do século XIX), e não há indícios de que essa situação será revertida. Os ricos se tornam mais ricos, e o resto segue despencando rumo à pauperização.

Entretanto, o dólar segue caindo ladeira abaixo, erodindo o poder de compra dos consumidores e forçando à população trabalhadora a optar entre o depósito de gasolina ou o dentista da pequena Jenny. A maioria opta pela gasolina. Assim, ao menos, podem chegar à fábrica na segunda-feira para arrebentar-se em outra semana de trabalhos penosos. Mais um trecho do Wall Street Journal:

“O dólar caiu a um de seus menores valores em muitos anos frente às principais moedas, debilitado por um amálgama de políticas monetárias frouxas e desequilíbrios fiscais que deixaram os investidores com uma cédula verde destroçada (...) A política monetária da Reserva Federal foi primordialmente negativa para o dólar. Em um mercado em que os investidores gravitam em torno de ativos de maiores rendimentos, o dólar foi abandonado pelos vendedores de títulos que parecem se sentir mais confortáveis com os euros, ainda que a Europa se ache em luta aberta para conter uma crise da dívida que vem ficando mais forte nos dois últimos anos”.

“A força diretriz é a política monetária (estadunidense) e o pé de página a política fiscal. Sabemos que se aproxima um trem descarrilhado e isso nos inquieta”, disse Andrew Bush, estrategista para política global de divisas em BMO Capital Markets” (“Dollar Tumbles With US Monetary, Fiscal Policy in Focus”, Wall Street Journal”).


“Trem descarrilhado”: é uma boa metáfora. A enfraquecida cédula verde está causando sofrimento real em lares que se encontram agora menos capazes de poupar, ou de devolver dívidas que herdaram do estouro da bolha imobiliária, quando o valor de sua casa começou a cair para níveis inferiores ao de sua dívida hipotecária. Agora pagam preços mais altos no posto de gasolina ou na mercearia e ficam sem dinheiro para outros usos, incluindo aí as emergências de saúde. Se Sammy cai no ginásio da escola e machuca a clavícula, o gasto resultante se acumulará no cartão Visa, isso no melhor dos casos, ou seja, se o limite do cartão não tiver sido ultrapassado. Que felizardo!

Mas o problema real são os postos de trabalho. Eles simplesmente não existem e ninguém em Washington quer fazer nada a respeito. Em sua coluna da semana passada, Paul Krugman escreveu:

“No mês passado, mais de 14 milhões de estadunidenses estavam desempregados, de acordo com a definição oficial (...) Alguns outros milhões trabalhavam em tempo parcial porque não conseguiam encontrar empregos de turno integral. E não estamos falando de privações temporais. O desemprego de longo prazo, outrora uma raridade neste país, converteu-se em algo demasiadamente normal: mais de quatro milhões de estadunidenses estão fora do mercado de trabalho há um ano ou mais”.

“Pode-se dizer que tudo isso, somado, constitui um argumento claro para que se aja mais. No entanto, o senhor Bernanke acaba de dizer que já fez tudo o que poderia ser feito. Por quê? (“The Intimidated Fed”, Paul Krugman, New York Times).


Sim. Por quê? Se o programa de Bernanke de compra de títulos públicos foi um êxito tão manifesto, por que então ele não dá prosseguimento a ele e consegue com que as pessoas voltem a trabalhar? É perguntar demais? Há 14 milhões de desempregados, 42 milhões dependendo dos cartões de alimentação, os sem teto não param de crescer, os despejos subiram para 2 milhões por ano e a maioria das pessoas acredita que estamos em uma depressão. Não acha que poderia nos dar uma mão, Benny?

Você tem alguma ideia do mal que é realmente o desemprego? Passe os olhos nisso que aparece em Calculated Risk:

“Há hoje (março de 2011) nos Estados Unidos, 130.738 milhões de postos de trabalho assalariado. Em janeiro de 2000 havia 130.781 milhões. Assim, passados onze anos, não houve nenhum aumento do volume de postos de trabalho assalariado. E a renda familiar média em dólares era de 49.777 em 2009. Apenas um pouco acima dos 43.309 dólares de 1997 e abaixo dos 51.100 dólares de 1998 (...)”.

“Há atualmente 7.25 milhões de postos de trabalho assalariado menos que antes do começo da recessão em 2007. Agora, temos 13,5 milhões de estadunidenses no desemprego; outros 8,4 milhões estão trabalhando em tempo parcial por razões econômicas e cerca de 4 milhões de trabalhadores abandonaram a força de trabalho. Dos desempregados, 6,1 milhões estão sem emprego há seis meses ou mais”. (“More than a Lost Decade”, Calculated Risk)


Uma década inteira sem criar postos de trabalho. Ninguém é contratado, os salários estão congelados e o transbordante déficit em conta corrente atual fornece a cada ano 500 bilhões de dólares para a criação de novos postos de trabalho no estrangeiro. E tudo o que Obama pretende fazer é discursar sobre a necessidade de reduzir os déficits.

E o que acontece com os postos de trabalho que desapareceram? Não eram bons postos de trabalho? Quero dizer, ao menos permitiam a alguém colocar comida na mesa e pagar as contas, não?

Pois a resposta é não. Agora mesmo, cerca de 65 milhões dos 130 milhões de postos de trabalho existentes em nosso país pagam entre 55 mil e 60 mil dólares por ano. Em outras, proporcionam um “salário para viver”, que permite às famílias não cair em uma situação de pobreza abjeta. Os outros 65 milhões de trabalhadores se arrastam com trabalhos de tempo parcial ou com pequenos trabalhos mal pagos, que rendem uma receita entre 20 e 25 mil dólares ao ano.

Esta é, pois, a situação (de acordo com David Stockman): desde 2007, perdemos 6,5 milhões de postos de trabalho bem remunerados, sem que tenhamos sido capazes de criar nenhum. Todo o crescimento se deu entre os postos de trabalho com baixos salários. Stockmnan diz:

“Na última década, perdemos cerca de 10% da economia de receitas médias e, mesmo considerando a suposta recuperação de agora, não conseguimos recuperar um só dos 6,5 milhões de postos de trabalho de classe média perdidos (...) Nesta economia, a distribuição de renda se converteu em um grande problema, e a situação está piorando, não melhorando”. (David Stockman: Lack of Middle Class Jobs plus Low Growth equals “Alleged Reovery”, Yahoo Finance)

Um antigo adepto de Reagan falando de “distribuição de renda”? Agora é um tipo de que provoca escândalo.

Pano de fundo: os postos de trabalho bem remunerados são exportados para ultramar, empurrando ao abismo as classes médias trabalhadoras estadunidenses. E a situação piora porque agora mesmo inclusive os postos de trabalho com baixo salário estão cada vez mais difíceis de encontrar. Olhem só isso, procedente de Bloomberg:

“O McDonald’s e suas franquias contrataram 62 mil pessoas nos EUA logo depois de receber mais de um milhão de solicitações de emprego, disse hoje a companhia com sede em Oak Brooks, Illinois, em uma declaração divulgada por correio eletrônico...” (Bloomberg News)

Um milhão de solicitações para servir hamburguers! Isso diz tudo.

Assim, em resumo, até os postos de trabalho mais servis e degradantes estão escasseando, o que dá uma prova adicional de que nos encontramos em uma depressão. As cifras de desemprego começaram a crescer de novo, lançando mais sombras sobre a suposta recuperação. Os novos casos registrados de desemprego chegaram a 25 mil na terceira semana de abril. 

As empresas estão cortando custos para enfrentar a alta dos preços das matérias primas, que estão minguando os lucros. Uma vez mais, as cifras do desemprego bateram o recorde com 400 mil em três semanas, indicando uma maior debilidade da economia. No Wall Street Journal pode-se ler:

“No ano passado, cerca de um milhão de estadunidenses foram incapazes de encontrar trabalho após esgotar a cobertura do seguro desemprego, segundo dados divulgados pelo Departamento de Trabalho (...)”.

“Cerca de 8,2 milhões de trabalhadores desempregados recebiam uma cobertura de desemprego ao terminar a semana de 9 de abril, disse o Departamento do Trabalho, em seu informe semanal sobre o desemprego. Pode-se comparar essa cifra com os cerca de 10,5 milhões de indivíduos que no ano passado, na mesma época, recebiam subsídios: 2,3 milhões a menos!” (“One Million exhausted jobless benefits in past year”, Wall Street Journal)


Essa é a navalhada mais cruel. E também a que causa mais confusão. Por um lado, as pessoas que, sem comê-lo nem bebê-lo, perderam o emprego e foram jogadas nas filas de desempregados, aproximando-se de um mundo de pobreza demolidora. Por outro lado, ao perder o auxílio desemprego contribuíram para rebaixar as cifras de desemprego, o que dá à política do “não faça nada” de Obama uma aparência de eficácia. Um mal duplo, portanto.

Para terminar, esta nota sobre os salários do antigo Secretário do Trabalho, no governo Clinton, Robert Reich:

“A notícia economicamente mais relevante deste primeiro semestre de 2011 é a da queda dos salários reais (...) A fim de manter os postos de trabalho, milhões de estadunidenses estão aceitando reduções salariais. E se já foram despedidos a única maneira de encontrar um novo trabalho é aceitar salários ainda mais baixos”.

“A contração salarial está colocando as famílias estadunidenses em uma situação esquizoide de duplo vínculo. Antes da recessão eram capazes de pagar as faturas porque dispunham de dois salários. Agora, o mais provável é que disponham de um e meio, ou de somente um e em processo de contração (...)”.

“A recuperação econômica sem criação de postos de trabalho que os EUA estão experimentando está se convertendo em uma recuperação sem salários. O que aponta para uma probabilidade de nova recessão muito maior que o risco de inflação”. (“The Wageless recovery”, blog de Robert Reich)


Quem falou de “duplo mergulho na crise”?

Os salários se contraem, os postos de trabalho escasseiam, o auxílio desemprego acaba e o dólar despenca. Pode-se duvidar que estamos em meio a uma depressão?

(*) Mike Whitney é um analista político independente que vive no estado de Washington e colabora regularmente com a revista CounterPunch.

(**) Tradução de Katarina Peixoto a partir da versão em língua espanhola publicada em Sin Permiso.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Perguntas sem respostas



Por: Silvio Caccia Bava  - Fonte: Site Controvérsia
Segundo a Cepal, um terço da população da América Latina vive com menos de dois dólares por dia. São 185 milhões de pessoas, o Brasil contribui com 49 milhões para esta soma. E, neste ano, na América Latina, mais 3 milhões de pessoas tornaram-se pobres. A crise internacional acentua a lógica de um modelo que produz a exclusão.
Contudo, um olhar em perspectiva vai nos dizer que, mesmo com esses números, a pobreza vem diminuindo na América Latina. O que é verdade, ainda que a desigualdade permaneça intocada em muitos destes países. Mas se pudermos observar os esforços e os resultados de diferentes países da região e os compararmos com os do Brasil, vamos ver que da nossa parte muito ainda precisa ser feito. 
É interessante lançar um olhar em torno. Ter alguns elementos de comparação. Não há dúvida de que cada país tem a sua história e ela constrói de uma maneira toda particular a trama de relações sociais e políticas que definem um patamar de direitos. Assim foi com o peronismo, na Argentina; com o getulismo, no Brasil; está sendo com o bolivarianismo, na Venezuela. Não são países homogêneos, mas todos, na atualidade, estão definindo suas políticas de combate à pobreza. Há países muito pobres, outros de médio porte, e o Brasil, que está entre as maiores economias do mundo.
Na última década, em quase todo o continente, como política de combate à pobreza, os governos intensificaram transferências de renda para os mais pobres. Políticas focalizadas que definiam a amplitude de sua clientela em função dos recursos disponíveis. O que chama a atenção é a diferença do que se pode chamar de “recursos disponíveis”, já que eles sempre são uma decisão de alocação entre os países do continente. 
Seria de se esperar que o Brasil, como o país mais rico da região, dedicasse mais recursos para o combate à pobreza. Mas não é o que acontece. Segundo a Cepal, o Brasil gasta 0,58 do PIB em transferências de renda para os mais pobres, a Argentina gasta 0,70, o Paraguai 0,92, a Guatemala 3,0. Como explicar tal diferença de recursos empregados no combate à miséria entre diferentes países da América Latina?
Ou como avaliar as razões pelas quais os resultados de cada país no combate à pobreza sejam tão diferentes?  Entre 2008 e 2009, enquanto o Brasil, o Peru, o Paraguai e o Panamá reduziram sua taxa de pobreza entre 0,9 e 2,2%, o Uruguai (área urbana) e a República Dominicana reduziram suas taxas de pobreza em mais de 3%. Os dados de 2009 também registram uma pequena queda da indigência no Brasil e mostram uma redução mais significativa na Colômbia, Panamá, Peru, República Dominicana e no Uruguai.
Um outro indicador importante é a capacidade de consumo da população. E o salário mínimo é o que se pode chamar de piso para uma vida decente, a referência para esse patamar mínimo de consumo. Ele é importante também porque é referência para determinar o valor das aposentadorias.
Com base num cálculo de paridade de poder de compra em dólares, a Organização Internacional do Trabalho identifica um salário mínimo no Brasil de US$ 286,00. Na Argentina, ele é de US$ 896,00; no Paraguai, de US$ 559,00; no Equador, de US$ 490,00; na Venezuela, de US$ 481,001. Ou seja, com o salário mínimo da Argentina, o trabalhador brasileiro compra três vezes mais do que permite o seu próprio salário mínimo. Por que esta disparidade de poder de compra?
Se tomarmos ainda como referência o Índice de Desenvolvimento Humano de 2010, das Nações Unidas, os dados divulgados recentemente identificam que o IDH do Brasil é de 0,699, o que o coloca no 73º lugar entre 169 países pesquisados, bem abaixo de países como Chile (45º), Argentina (46º), Uruguai (52º), México (56º) e Peru (63º), entre outros.
Por que o Brasil não é capaz de oferecer melhores condições de vida para sua população?
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

Fonte: http://diplomatique.uol.com.br