sábado, 26 de fevereiro de 2011

Mapa da violência: Alagoas é primeiro em ranking nacional

O Ministério da Justiça divulgou no último dia 23 de fevereiro o relatório Mapa da Violência, Alagoas exibe a triste média 60,3 homicídios por cada cem mil habitantes. Abaixo tabela.

Proletários e a divisão do trabalho na grande indústria


Por: Albani de Barros

Sem o entendimento de como Marx descrevia a distribuição dos trabalhadores na grande indústria, o conceito que ele formulou sobre o trabalhador coletivo perde o sentido lógico. Isto não ocorre porque ele teria sido impreciso ao afirmar que para ser produtivo não há a necessidade de manipular diretamente o objeto (MARX, 1996), mas porque a interpretação de suas palavras é feita sem buscar em sua obra ao que ele objetivamente está se referindo. Se a análise da questão ficar restrita e isolada somente à frase que identifica que os membros que participam do trabalho coletivo “se encontram mais perto ou mais longe da manipulação do objeto de trabalho” (Ibidem, p. 137), estará se incorrendo num lamentável equívoco.
O texto de O Capital tem um absoluto rigor lógico, exatamente por ser meticulosamente preciso é que nenhuma parte dele pode ser ignorada. Utilizando um raciocínio “despedaçado” do texto de Marx, pode-se considerar até que, como o trabalhador intelectual não está próximo do objeto a ser manipulado, mas participa do processo como um todo da produção, então ele estaria desempenhando uma atividade que também é trabalho. Marx já havia identificado que o trabalho manual estaria cindido com o intelectual, ora, se foram separados e transformados em inimigos, como poderiam ter a mesma função? A resposta a essa questão é simples: o trabalhador intelectual não cumpre a mesma função do trabalhador manual, mesmo com a introdução da maquinaria moderna. Para o entendimento dessa questão é necessário compreender quem seriam esses trabalhadores que Marx descreve em O Capital  e qual função esses desempenhavam na produção. 
Marx (1996) afirma que é bastante ser órgão do trabalhador coletivo para trabalhar produtivamente, ele está salientando como ocorria a produção na grande indústria. Com o sistema de diversas máquinas instaladas na grande indústria, uma nova configuração na produção surgiu. Vejamos a descrição de nosso autor alemão no capítulo XIII, ao comentar a maquinaria e a grande indústria, bem como a necessária divisão do trabalho decorrente desse aspecto:

À medida que na fábrica automática ressurge a divisão de trabalho, ela é, antes de tudo, distribuição dos trabalhadores entre as máquinas especializadas e de massas de trabalhadores [...]. O grupo articulado da manufatura é substituído pela conexão do operário principal com alguns poucos auxiliares. (Ibidem, p. 53).


Quando Marx analisa a grande indústria já estabelecida na Inglaterra no século XIX e afirma que para “trabalhar produtivamente” basta ser pertencente ao grupo por ele denominado de trabalhador coletivo, ele se refere à forma como a produção ocorria no complexo da maquinaria, naquele estágio de desenvolvimento das forças produtivas. Ao analisar a produção mecanizada, o operário que manipula o objeto a ser transformado (natureza ou matéria-prima) recebe agora a colaboração de outros trabalhadores; são esses que podem estar mais perto ou distantes desta manipulação, mantendo o caráter produtivo (Ibidem) original do trabalho.
E ele diferencia os trabalhadores que diretamente manipulam o objeto e dos outros que o auxiliam:

A distinção essencial é entre trabalhadores que efetivamente estão ocupados com as máquinas-ferramentas (adicionam-se a estes alguns trabalhadores para vigiar ou então alimentar a máquina-motriz) e meros ajudantes (quase exclusivamente crianças) desses trabalhadores de máquinas. Entre os ajudantes incluem-se mais ou menos todos os feeders (que apenas suprem as máquinas com material de trabalho). (Ibidem, p. 53).

Marx escreve que alguns trabalhadores manipulam o objeto, ocupando atividades diretamente com a máquina-ferramenta.[1] Quanto a estes primeiros, não parece haver grandes questões a serem tratadas, já que eles são os responsáveis diretos pela conversão da matéria. Alguns outros alimentam a máquina–motriz[2] ou a vigiam, conferindo o momento certo de reabastecê-las. Estes trabalhadores colocam, por exemplo, o carvão para ser consumido pela máquina-motriz, “alimentando-a” com o combustível necessário para que gere a energia a ser distribuída com as máquinas menores (máquinas-ferramentas). Além da tarefa de suprir, esse grupo de trabalhadores vigia esta máquina, não o trabalhador, ou seja, este grupo de indivíduos colocados na produção não está controlando outros operários, mas atento ao maquinário.  Podemos considerar que esses trabalhadores estão mais distantes da manipulação; o motivo é que o equipamento com o qual eles trabalham é a máquina-motriz, responsável por fornecer energia às máquinas menores (Ibidem). No espaço físico da fábrica, esta máquina encontra-se alocada distante do local onde o objeto é manipulado, e os trabalhadores que nela atuam mantêm o caráter produtivo original do trabalho.
Além destes, há outro grupo auxiliando os trabalhadores que manipulam o objeto; são os ajudantes e os feeders. A tarefa desses é suprir as máquinas-ferramentas com o material de trabalho, isto é, trazer para junto deste equipamento o objeto natural ou a matéria-prima a ser transformada, de forma a que o trabalhador que está diretamente manipulando o objeto não interrompa a produção para ir buscar os insumos necessários. Portanto, a tarefa desses ajudantes é principalmente transportar estes insumos para perto da máquina-ferramenta; sua função tem um caráter pertencente ao trabalho manual, visto que, para que ocorra a conversão da natureza, é necessário que haja o transporte do objeto. Dessa forma, este outro grupo de trabalhadores está em alguns momentos perto da manipulação, quando, por exemplo, depositam a matéria-prima a ser trabalhada próximo à máquina-ferramenta; em outros instantes ficam mais distantes, quando vão buscar esses materiais. Nas duas situações, os ajudantes e os feeders também cumprem uma função produtiva no mesmo patamar dos trabalhadores que diretamente manipulam o objeto.
Nos dois casos analisados, tanto no grupo de trabalhadores que “alimentam e vigiam” a máquina-motriz, como no grupo de ajudantes que suprem as máquinas-ferramentas com material de trabalho, a função desses operários não é de controlar o trabalhador que está manipulando o objeto, mas de auxílio a esta conversão. Mesmo não atuando diretamente nessa transformação, como aqueles que efetivamente manipulam o objeto na máquina-ferramenta, a função exercida por esses trabalhadores é de pertencimento ao trabalho manual. 
Também existe outro grupo de trabalhadores que, apesar de também manter um tipo de vínculo com a produção, diferentemente desses anteriormente analisados, vão cumprir a função de controle sobre o trabalho manual. Trata-se do trabalho intelectual, que está presente no processo de produção. Percebendo tal situação, Marx argumenta que: “A determinação original, acima, de trabalho produtivo, derivada da própria natureza da produção material, permanece sempre verdadeira para o trabalhador coletivo, considerado como coletividade. Mas ela já não é válida para cada um de seus membros, tomados isoladamente” (Ibidem, p. 137–138). Como o trabalho não é mais puramente individual, mas de um pessoal combinado, quando é analisado o conjunto, é possível identificar o trabalhador coletivo como o que permanece com o caráter produtivo; entretanto, analisando estes indivíduos isoladamente, não. Os trabalhadores que manipulam o objeto, os que alimentam a máquina-motriz, os ajudantes e feeders que suprem com matéria-prima a máquina-ferramenta são os trabalhadores coletivos. Contudo:

Ao lado dessas classes principais, surge um pessoal numericamente insignificante que se ocupa com o controle do conjunto da maquinaria e com sua constante reparação, como engenheiros, mecânicos, marceneiros etc. É uma classe mais elevada de trabalhadores, em parte com formação científica, em parte artesanal, externa ao círculo de operários de fábrica e só agregada a eles. (Ibidem, p. 54).

Sobre esse último grupo citado por Marx, sua função não é de colaboração com os trabalhadores manuais anteriormente descritos; eles são externos ao círculo do proletariado (Ibidem), contratados para cumprir determinações oriundas da burguesia. A tarefa essencial destes é contribuir com o capitalista que os contratou para extrair dos trabalhadores manuais o máximo[3] de suas forças, a maior quantidade possível de sobretrabalho. O engenheiro e o mecânico participaram da concepção das máquinas e quando a idealizaram, tiveram a preocupação de conceber um equipamento que fosse capaz de obter o máximo possível de produtividade. Sua tarefa consistiu em possibilitar técnica e operacionalmente que o trabalho morto das máquinas sugasse tanto quanto possível fossem as forças do trabalho vivo (Ibidem); sua presença na produção apenas reforça o caráter hostil da separação entre a “mão e a cabeça”.
Tomando como referencial a teoria de Marx, os trabalhadores intelectuais não produzem a riqueza material, eles a organizam em função de determinações oriundas da classe proprietária dos meios de produção; portanto formam uma unidade de inteligência estranha e oponente ao trabalhador manual. O fato de serem necessários na organização da produção capitalista, não significa que também sejam indispensáveis num outro tipo de produção. 
Numa sociedade liberta do trabalho alienado, os trabalhadores manuais permaneceriam sendo rigorosamente imprescindíveis e poderiam ter sua organização baseada não no controle exercido pelo trabalho intelectual, mas na qualidade de produtores associados. Este tipo de trabalho nada tem haver com o trabalho cooperativista que ocorre no interior do capitalismo, refere-se ao processo onde os trabalhadores controlam de forma coletiva, livre e consciente, a produção e a distribuição da riqueza (TONET, 2007).


MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política. Livro primeiro, tomo 2. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

Ivo Tonet. Educação contra o capital. Maceió: Edufal, 2007.



[1]    A máquina-ferramenta é “um mecanismo que, ao ser-lhe transmitido o movimento correspondente, executa com suas ferramentas as mesmas operações que o trabalhador executava antes com ferramentas semelhantes” (MARX, 1996, p. 9). É na máquina-ferramenta que o objeto é manipulado pelo operário.
[2]    Marx também identifica a máquina-motriz como um equipamento que “atua como força motora de todo o mecanismo. Ela produz a sua própria força motriz, como a máquina a vapor, a máquina calórica, a máquina eletromagnética etc., ou recebe o impulso de uma força natural já pronta fora dela, como a roda-d’água, o da queda-d’água, as pás do moinho, o do vento etc.” (Ibidem, p. 9). Trata-se do equipamento que fornece energia e que coordena o funcionamento das outras máquinas menores, chamadas de máquinas-ferramentas. Isto ocorre através de mecanismos de “transmissão, composto de volantes, eixos, rodas dentadas, rodas-piões, barras, cabos, correias, dispositivos intermediários e caixas de mudanças das mais variadas espécies, regula o movimento, modifica, onde necessário, sua forma, por exemplo, de perpendicular em circular, o distribui e transmite para a máquina-ferramenta” (Ibidem, p. 9). É a máquina-motriz que supre com energia as máquinas-ferramentas operadas pelos trabalhadores que manipulam o objeto. Esse é o equipamento que é “alimentado” e vigiado por alguns trabalhadores, que igualmente aos operários que manipulam o objeto, também participam do grupo denominado por Marx de trabalhador coletivo.
[3]    A atividade de conceber uma máquina para ser utilizada na produção capitalista é uma das tarefas do trabalho intelectual. Este trabalhador assalariado idealiza e projeta instrumentos e equipamentos cuja finalidade é conseguir extrair o máximo de sobretrabalho, pois a determinação de suas funções é oriunda da mesma lógica de seu patrão.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Crise estrutural do capital

Por István Mészáros


Vivemos na era de uma crise histórica sem precedentes. Sua severidade pode ser medida pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa, como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do capital. Como tal, esta crise afeta — pela primeira vez em toda a história — o conjunto da humanidade, exigindo, para esta sobreviver, algumas mudanças fundamentais na maneira pela qual o metabolismo social é controlado.


Os elementos constitutivos do sistema do capital (como o capital monetário e mercantil, bem como a originária e esporádica produção de mercadorias) remontam a milhares de anos na história. Entretanto, durante a maioria desses milhares de anos, eles permaneceram como partes subordinadas de sistemas específicos de controle do metabolismo social que prevaleceram historicamente em seu tempo, incluindo os modos de produção e distribuição escravista e feudal. Somente nos últimos séculos, sob a forma do capitalismo burguês, pôde o capital garantir sua dominação como um “sistema social” global. Para citar Marx: “é preciso ter em mente que as novas forças de produção e relações de produção não se desenvolvem a partir do nada, não caem do céu, nem das entranhas da Idéia que se põe a si própria; e sim no interior e em antítese ao desenvolvimento existente da produção e das relações de propriedade tradicionais herdadas. Se no sistema burguês acabado cada relação econômica pressupõe outra sob a forma econômica-burguesa, e assim cada elemento posto é ao mesmo tempo pressuposto, tal é o caso em todo sistema orgânico. Este próprio sistema orgânico, enquanto totalidade, tem seus pressupostos, e seu desenvolvimento, até alcançar a totalidade plena, consiste, precisamente, na subordinação de todos os elementos da sociedade a si próprio, ou na criação, a partir dele, dos órgãos que ainda lhe fazem falta; desta maneira chega a ser historicamente uma totalidade.”[2]
Dessa forma, desvinculando seus antigos componentes orgânicos dos elos dos sistemas orgânicos precedentes e demolindo as barreiras que impediam o desenvolvimento de alguns novos componentes vitais,[3] o capital, como um sistema orgânico global, garante sua dominação, nos últimos três séculos, como produção generalizada de mercadorias. Através da redução e degradação dos seres humanos ao status de meros “custos de produção” como “força de trabalho necessária”, o capital pode tratar o trabalho vivo homogêneo como nada mais do que uma “mercadoria comercializável”, da mesma forma que qualquer outra, sujeitando-a às determinações desumanizadoras da compulsão econômica.
As formas precedentes de intercâmbio produtivo entre os seres humanos e com a natureza eram, em seu conjunto, orientadas pela produção para o uso, com um amplo grau de auto-suficiência como determinação sistemática. Isso lhes impôs uma grande vulnerabilidade frente aos flagrantemente diferentes princípios de reprodução do capital já operativos, mesmo que inicialmente em uma escala muito pequena, nas fronteiras dos antigos sistemas. Pois nenhum dos elementos constitutivos do sistema orgânico do capital que se manifestava dinamicamente necessitou alguma vez ou foi capaz de, confinar a si próprio às restrições estruturais da auto-suficiência. O capital, como um sistema de controle do metabolismo social pôde emergir e triunfar sobre seus antecedentes históricos abandonando todas as considerações às necessidades humanas como ligadas às limitações dos “valores de uso” não quantificáveis, sobrepondo a estes últimos — como o pré-requisito absoluto de sua legitimação para tornarem-se objetivos de produção aceitáveis — o imperativo fetichizado do “valor de troca” quantificável e sempre expansível. É desta maneira que surgiu a forma historicamente específica do sistema capitalista, sua versão capitalista burguesa. Ela teve de adotar o irresistível modo econômico de extração de sobretrabalho, como mais-valia estritamente quantificável — em contraste com a pré-capitalista e a pós-capitalista de tipo soviético, formas basicamente políticas de controlar a extração de sobretrabalho —, de longe, o modo mais dinâmico de realizar, a seu tempo, o imperativo da expansão do sistema vitorioso. Além do mais, graças à perversa circularidade do sistema orgânico totalmente completo do capital — no qual “cada relação econômica pressupõe outra sob a forma econômica-burguesa” e “cada elemento posto é ao mesmo tempo pressuposto” — o mundo do capital reivindica sua condição de eterna e indestrutível “gaiola de ferro”, da qual nenhuma escapatória pode ou deve ser contemplada.
Entretanto, a absoluta necessidade de atingir de maneira eficaz os requisitos da irreprimível expansão — o segredo do irresistível avanço do capital — trouxe consigo, também, uma intransponível limitação histórica. Não apenas para a específica forma sócio-histórica do capitalismo burguês, mas, como um todo, para a viabilidade do sistema do capitalem geral. Pois este sistema de controle do metabolismo social, teve que poder impor sobre a sociedade sua lógica expansionista cruel e fundamentalmente irracional, independentemente do caráter devastador de suas conseqüências; ou teve que adotar algumas restrições racionais, que, diretamente, contradiziam suas mais profundas determinações como um sistema expansionista incontrolável. O século XX presenciou muitas tentativas mal sucedidas que almejavam a superação das limitações sistêmicas do capital, do keynesianismo ao Estado intervencionista de tipo soviético, juntamente com os conflitos militares e políticos que eles provocaram. Tudo o que aquelas tentativas conseguiram foi somente a “hibridização” do sistema do capital, comparado a sua forma econômica clássica (com implicações extremamente problemáticas para o futuro), mas não soluções estruturais viáveis.
De fato, é extremamente significativo a este respeito — e apesar do triunfalismo que enalteceu, em anos recentes, as virtudes míticas de uma idealizada “sociedade de mercado” (sem mencionar a utilização propagandística apologética do conceito de um “mercado social” completamente fictício) e o “fim da história” sob a hegemonia, livre de ameaças, dos princípios do capitalismo liberal —, que o sistema do capital não pôde se completar como um sistema global em sua forma propriamente capitalista; isto é, fazendo prevalecer universalmente o irresistível modo econômico de extração e apropriação de sobretrabalho na forma de mais-valia. O capital, no século XX, foi forçado a responder às crises cada vez mais extensas (que trouxeram consigo duas guerras mundiais, antes impensáveis) aceitando a “hibridização” — sob a forma de uma sempre crescente intromissão do Estado no processo sócio-econômico de reprodução) como um modo de superar suas dificuldades, ignorando os perigos que a adoção deste remédio traz, a longo prazo, para a viabilidade do sistema. Caracteristicamente, tentativas de retroceder no tempo (até mesmo mais atrás do que a era de um Adam Smith grosseiramente mal representado) são proeminentes entre os defensores acríticos do sistema do capital. Desse modo, os representantes da “Direita Radical” continuam a fantasiar sobre “o recuo das fronteiras do Estado”, enquanto na realidade o oposto é claramente observável, devido à incapacidade do sistema para garantir a expansão do capital na escala requerida sem a administração, pelo Estado, de doses sempre maiores de “ajuda externa”, de uma maneira ou outra.
O capitalismo pode ter conseguido o controle na antiga União Soviética e no Leste europeu, mas é extremamente equivocado descrever o estado atual do mundo como dominado de maneira bem sucedida pelo capitalismo, apesar de estar, certamente, sob a dominação do capital. Na China, por exemplo, o capitalismo somente esta estabelecido, eficazmente, em “enclaves” costeiros, deixando a esmagadora maioria da população (isto é, bem mais de um bilhão de pessoas) fora de seus marcos. E mesmo nessas áreas limitadas da China, nas quais prevalecem os princípios capitalistas, a extração econômica do sobretrabalho precisa ser sustentada através de fortes componentes políticos, mantendo o custo do trabalho artificialmente baixo. A Índia — outro país com uma população imensa —, de maneira similar, encontra-se apenas parcialmente sob a administração bem sucedida do metabolismo sócio-econômico regulado de modo capitalista, deixando, até agora, a esmagadora maioria da população em uma situação bem diferente e difícil. [4] Mesmo na antiga União Soviética, seria bastante impreciso falar sobre a bem sucedida restauração completa do capitalismo, apesar da total dedicação dos organismos políticos dominantes a esta tarefa durante, pelo menos, os últimos doze anos. Alem do mais, a fracassada “modernização” do assim chamado “terceiro mundo”, em conformidade com as prescrições difundidas por décadas pelos países “capitalistas avançados”, destaca o fato de que um grande número de pessoas — não apenas na Ásia, como também na África e América Latina — ficou fora da terra, por muito tempo prometida, da prosperidade capitalista liberal. Dessa forma, o capital pode conseguir adaptar-se às pressões emanadas do fim de sua “ascendência histórica” somente retrocedendo atrás de sua própria fase progressiva de desenvolvimento e abandonando completamente o projeto capitalista liberal, apesar de toda mistificação ideológica auto-justificatória em contrário. É por isso que hoje se tornou mais óbvio do que nunca que o alvo da transformação socialista não pode ser somente o capitalismo, se quiser um sucesso duradouro; deve ser o próprio sistema do capital.
Esse sistema, em todas as suas formas capitalistas ou pós-capitalistas tem (e deve ter) sua expansão orientada e dirigida pela acumulação.[5] Naturalmente, o que está em questão a este respeito não é um processo delineado pela crescente satisfação das necessidades humanas. Mais exatamente, é a expansão do capital como um fim em si, servindo à preservação de um sistema que não poderia sobreviver sem constantemente afirmar seu poder como um modo de reprodução ampliado. O sistema do capital é essencialmente antagônico devido à estrutura hierárquica de subordinação do trabalho ao capital, o qual usurpa totalmente — e deve sempre usurpar — o poder de tomar decisões. Este antagonismo estrutural prevalece em todo lugar, do menor “microcosmo” constitutivo ao “macrocosmo” abarcando as relações e estruturas reprodutivas mais abrangentes. E, precisamente porque o antagonismo é estrutural, o sistema do capital é — e sempre deverá permanecer assim — irreformável eincontrolável. A falência histórica do reformismo social-democrata fornece um testemunho eloqüente da irreformabilidade do sistema; e a crise estrutural profunda, com seus perigos para a sobrevivência da humanidade, destaca de maneira aguda sua incontrolabilidade. Na verdade, é inconcebível introduzir as mudanças fundamentais requeridas para remediar a situação sem superar o antagonismo estrutural destrutivo, tanto no “microcosmo” reprodutivo, como no “macrocosmo” do sistema do capital enquanto um modo global de controle do metabolismo social. E isso só pode ser atingido colocando em seu lugar uma forma radicalmente diferente de reprodução do metabolismo social, orientada para o redimensionamento qualitativo e a crescente satisfação das necessidades humanas; um modo de intercâmbio humano controlado não por um conjunto de determinações materiais fetichizadas mas pelos próprios produtores associados.
O sistema do capital é caracterizado por uma tripla fratura entre 1) produção e seu controle; 2) produção e consumo; e 3) produção e circulação de produtos (interna e internacional). O resultado é um irremediável sistema“centrífugo”, no qual as partes conflituosas e internamente antagônicas pressionam em muitos sentidos diferentes. No passado, em teorias formuladas do ponto de vista do capital, os remédios para a dimensão coesiva perdida eram, em seu conjunto, desejos conceitualizados. Primeiramente por Adam Smith, como “a mão invisível” a qual, obrigatoriamente tornaria as intervenções políticas do Estado e seus políticos — explicitamente condenada por Smith como extremamente prejudicial — completamente supérflua. Posteriormente, Kant ofereceu uma variante do “Espírito Comercial” de Adam Smith, defendendo a realização da “política moral” e (um tanto ingenuamente) esperando da ação do “Espírito Comercial” não apenas benefícios econômicos universalmente difundidos como, também, um politicamente louvável reino de “paz perpétua” no quadro de uma harmoniosa “Liga das Nações”. Mais adiante, no ápice dessa linha de pensamento, Hegel introduziu a idéia da “astúcia da Razão”, atribuindo a ela o desempenho de uma função muito parecida à “mão invisível” de Adam Smith. Entretanto, em completo contraste com Adam Smith — e refletindo a situação muito mais dilacerada pelos conflitos de seu próprio tempo — Hegel atribuiu ao Estado nacional, diretamente, o papel totalizante/universalista da Razão nos assuntos humanos, desdenhando a crença de Kant em um reino vindouro de “paz perpétua”. Também insistiu em que “o Universal é encontrado no Estado, em suas leis, suas disposições universais e racionais. O Estado é a Idéia Divina tal qual existe sobre a Terra”,[6] já que, no mundo moderno, “o Estado, como imagem e atualidade da Razão, tornou-se objetivo”.[7] Então, até mesmo os grandes pensadores que conceitualizaram estes problemas do ponto de vista do capital, puderam oferecer, somente, algumas soluções idealizadas das contradições subjacentes — isto é, para a tripla fratura, em última análise irreparável, mencionada acima. Contudo, eles reconhecerem, pelo menos por inferência, a existência dessas contradições, ao contrário dos atuais apologistas do capital — como os representantes da “Direita Radical”, por exemplo — que nunca admitiram a existência de qualquer necessidade de cura substantiva em seu acalentado sistema.
Dadas as contradições centrífugas internas de suas partes constitutivas, o sistema do capital somente poderia encontrar uma dimensão coesiva muito problemática na forma de suas formações nacionais estatais. Estas corporificam a estrutura de poder do capital, o qual provou-se adequado ao seu papel através da ascendência histórica do sistema. Entretanto, o fato de que essa dimensão coesiva corretiva seja historicamente articulada na forma de estados nacionais, que estão longe de ser mutuamente benevolentes e harmoniosos, sem qualquer desejo de conformar-se ao imperativo kantiano de uma “paz perpétua” vindoura, significava que o Estado, em sua realidade, está, na verdade, “infectado pela contingência”[8] de várias maneiras. Primeiro, porque as forças de destruição à disposição da guerra moderna tornaram-se absolutamente proibitivas, destituindo, dessa maneira, os estados nacionais de suas armas definitivas para solucionar os antagonismos internacionais mais abrangentes sob a forma de outra guerra mundial. Segundo, porque o fim da ascendência histórica do capital colocou em primeiro plano o desperdício e destrutividade irracional do sistema no nível da produção,[9] intensificando, assim, a necessidade de garantir novos escoadouros para os produtos do capital através da dominação hegemônica/imperialista sob condições nas quais o modo tradicional de impô-la não pode mais ser considerado uma opção rapidamente disponível; não somente por razões estritamente militares mas, também, devido ao avassalador potencial nelas contido quanto a uma guerra comercial global. E terceiro, porque a contradição, até há pouco velada, entre o irrefreável impulso expansionista do capital (tendendo a uma integração global completa) e suas formações estatais historicamente articuladas — como estados nacionais concorrentes — afloram abertamente, destacando não apenas a destrutividade do sistema, como também sua incontrolabilidade. Não espanta, portanto, que o fim da ascendência histórica do capital no século XX traga consigo a crise profunda de todas as suas formações estatais conhecidas.
Atualmente, vemos ser oferecida a varinha mágica da globalizaçãocomo uma solução automática para todos os problemas e contradições enfrentados. Esta solução é apresentada como uma novidade completa, como se a questão da globalização aparecesse no horizonte histórico somente há uma ou duas décadas com sua promessa de bondade universal, ao lado da outrora igualmente saudada e reverenciada noção da “mão invisível”. Mas, na realidade, o sistema do capital moveu-se inexoravelmente em direção à “globalização” desde seu início. Devido à irrefreabilidade de suas partes constitutivas, ele não pode considerar-se completamente realizado a não ser como um sistema global totalmente abrangente. É por essa razão que o capital procurou demolir todos os obstáculos que permaneciam no caminho de sua plena expansão e porque ele deve continuar a fazê-lo enquanto o sistema perdurar.
É aqui que uma grande contradição torna-se claramente visível. Por que, enquanto o capital em sua articulação produtiva — atualmente através, principalmente, da ação de gigantescas corporações nacionais-transnacionais — tende a uma integração global (e, nesse sentido, verdadeira e substantivamente à globalização), a configuração vital do “capital social total” ou “capital global” é, hoje em dia, completamente desprovida de sua própria formação estatal. Isto é o que contradiz nitidamente a determinação intrínseca do próprio sistema como inexoravelmente global e desenfreado. Assim, o perdido “Estado do sistema do capital” como tal, demonstra a incapacidade do capital para atingir a lógica objetiva da irrefreabilidade do sistema em suas últimas conseqüências. É esta circunstância que deve colocar as expectativas otimistas de “globalização” sob a sombra de sua deplorável falência, sem remover, entretanto, o próprio problema — nomeadamente, a necessidade de uma verdadeira integração global dos intercâmbios reprodutivos da humanidade — para o qual somente uma solução socialista pode ser considerada. Pois, sem uma solução socialista, os necessariamente crescentes antagonismos fatais e confrontos hegemônicos pelos mercados exigidos entre principais poderes concorrentes — como, por exemplo, para tomar apenas um, dentro de duas ou três décadas a economia chinesa (mesmo a sua presente taxa de crescimento) deverá ultrapassar largamente a força econômica dos Estados Unidos, com um potencial militar para lhes fazer frente — pode resultar, apenas, em uma catastrófica ameaça à sobrevivência da humanidade.
A crise estrutural do capital é a séria manifestação do encontro do sistema com seus próprios limites intrínsecos. A adaptabilidade deste modo de controle do metabolismo social pode ir tão longe quanto a “ajuda externa” compatível com suas determinações sistemáticas permita fazê-lo. O próprio fato de que a necessidade desta “ajuda externa” aflore — e, apesar de toda a mitologia em contrário, continue a crescer durante todo o século XX — foi sempre um indicativo de que algo diferente da normalidade da extração e apropriação econômica do sobretrabalho pelo capital tinha que ser introduzido para conter as graves “disfunções” do sistema. E, durante a maior parte de nosso século, o capital pôde tolerar as doses do remédio ministradas e nos poucos “países capitalistas avançados” — mas somente neles — pôde até mesmo celebrar a fase mais obviamente bem sucedida de expansão do desenvolvimento durante o intervencionismo estatal keynesiano das décadas do pós-guerra.
A severidade da crise estruturaldo sistema do capital confronta os socialistas com um grande desafio estratégico, oferecendo, ao mesmo tempo, algumas novas possibilidades vitais para enfrentá-lo. O que precisa ser destacado aqui é que não importa quão abundantes ou variadas sejam as formas de “ajuda externa” no século XX — bem diferente das fases iniciais do desenvolvimento capitalista, quando a política absolutista de “ajuda externa” (como apontado por Marx com referência a Henry VIII e outros) foi instrumental, ao invés de vital, para estabelecer a normalidade do capital e seu funcionamento saudável como um sistema global — toda esta ajuda, ajuda, em seu tempo, provou ser insuficiente para o objetivo de garantir a permanente estabilidade e a inquestionável vitalidade do sistema. Exatamente ao contrário. Pois as intervenções estatais do século XX puderam somente intensificar a “hibridização” do capital como um sistema social reprodutivo, acumulando, desse modo, problemas para o futuro. Em nosso futuro, a crise estrutural do capital — afirmando-se a si própria como a insuficiência crôni- ca de “ajuda externa” no presente estágio de desenvolvimento — deverá tornar-se mais profunda. E, também, deverá reverberar através do planeta, até mesmo nos mais remotos cantos do mundo, afetando cada aspecto da vida, desde as dimensões reprodutivas diretamente materiais às mais mediadas dimensões intelectuais e culturais.
Certamente, uma mudança historicamente viável somente pode ser verdadeiramente epocal, colocando a tarefa de ir além do próprio capitalcomo um modo de controle do metabolismo social. Isso significa um movimento de magnitude muito maior do que a substituição do sistema feudal pela subordinação hierárquico-estrutural de qualquer força de controle externo; em oposição à simples mudança da forma histórica específica sob a qual a extração e apropriação de sobretrabalho foi perpetuada, como sempre aconteceu no passado.
As “personificações do capital” podem assumir formas muito diferentes, desde a variedade capitalista privada à atual teocracia, e dos ideólogos e políticos da “Direita Radical” a partidos e burocratas estatais pós-capitalistas. Eles, inclusive, podem se apresentar como travestis políticos, assumindo a roupagem do “Novo Trabalhismo” (como faz o atual governo da Inglaterra, por exemplo) para espalhar mais facilmente mistificação no interesse da continuação da dominação do capital. Tudo isso, entretanto, não pode resolver a crise estrutural do sistema e a necessidade de superá-lo através da alternativa hegemônica do trabalho à ordem social metabólica do capital. É isto o que coloca na agenda histórica a tarefa da radical rearticulação do movimento socialista como um movimento de massas intransigente. Colocar um fim à separação do “braço industrial” do trabalho (os sindicatos) de seu “braço político” (os partidos tradicionais), que leva à impotência, e empreender uma ação direta politicamente consciente, em oposição à aceitação submissa das condições sempre piores, impostas aos produtores pelas regras pseudo-democráticas do jogo parlamentar, são os objetivos e movimentos transitórios que orientarão, necessariamente, um movimento socialista revitalizado no futuro previsível. A continua submissão ao curso globalmente destrutivo de desenvolvimento do capitalismo globalizado, verdadeiramente, não é uma opção.

Notas

[1]Este artigo corresponde à introdução escrita por Mészáros para a edição em farsi, publicada por exilados iranianos, de seu livro Beyond Capital (Além do capital, São Paulo, Boitempo, no prelo). O texto foi publicado, em inglês sob o título “The uncontrollability of globalizing capital” (Monthly Review, fev. 1998). Tradução Alvaro Bianchi, revisão técnica Waldo Mermelstein.
[2] Karl Marx, Grundrisse, Harmondsworth, Penguin, 1973, p. 278.
[3] Principalmente pela superação da proibição da compra e venda de terra e trabalho, garantindo, dessa forma, o triunfo da alienação em todos os domínios.
[4] Muitos sobrevivem (se o fazem), exatamente “fechando a boca” na “economia tradicional” e
o número daqueles que permanecem completamente marginalizados, mesmo se desejando ainda — na maioria das vezes em vão — um emprego de qualquer tipo no sistema capitalista, está quase além do entendimento. Portanto, “enquanto o número total de pessoas desempregadas registradas pelas agências de emprego atingiu 336 milhões, em 1993, o número de pessoas empregadas, no mesmo ano, de acordo com a Comissão de Planejamento, atingiu somente 307,6 milhões, o que significa que o número de desempregados registrados é maior do que o número de pessoas empregadas. E a taxa de incremento percentual do emprego é praticamente desprezível”. Sem Sukomal, Working class of india: History of the emergence and movement 1830-1990, with na overwiew up to 1995, Calcuta, K.P. Bagchi & Co, 1997, p. 554.
[5] A crise crônica de acumulação, enquanto um problema estrutural grave, foi iluminada, em várias ocasiões, por Paul Swezzy e Harry Magdoff.
[6] Georg Hegel, The Philosophy of History, New York, Dover, 1956, p. 39.
[7] Idem, p. 223.
[8] Idem, p. 214.
[9] Schumpeter costumava louvar o capitalismo — de maneira um tanto autocomplacente — como uma ordem reprodutiva de “destruição produtiva”; hoje seria muito mais correto caracterizálo como um sempre crescente sistema de “produção destrutiva”.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Álcool mata mais que Aids, violência e tuberculose, segundo OMS

O uso abusivo do álcool provoca 2,5 milhões de mortes por ano

AE
Quase 4% de todas as mortes no mundo são atribuídas ao álcool, alertou a Organização Mundial de Saúde (OMS) em relatório divulgado nesta sexta-feira (11). A entidade da Organização das Nações Unidas (ONU) lembrou que o álcool é associado com muitas questões sociais sérias, como violência, negligência infantil e abusos, além de faltas ao trabalho. A porcentagem de mortes por álcool é maior do que as de mortes causadas por Aids, violência e tuberculose, diz a OMS.
O relatório afirma que o uso abusivo do álcool provoca 2,5 milhões de mortes todos os anos. No grupo com idades entre 25 e 39 anos, 320 mil pessoas morrem por problemas relacionados ao álcool, resultando em 9% das mortes nessa faixa etária. A OMS informou ainda que o álcool prejudica a vida não somente de quem o consome em excesso, mas também dos que se relacionam com essas pessoas. "Uma pessoa intoxicada pode prejudicar outras ou colocá-las em risco de acidentes de trânsito ou por comportamento violento, ou afetar negativamente colegas de trabalho, parentes e desconhecidos", afirma o texto.
A bebida em excesso é um importante fator para problemas psiquiátricos, em males como a epilepsia, e de doenças cardiovasculares, cirrose e vários tipos de câncer. "Ferimentos fatais atribuíveis ao consumo de álcool tendem a ocorrer em faixas etárias relativamente mais jovens", afirma.
O relatório global 2011 sobre álcool e saúde da OMS busca fornecer informações para os Estados vinculados à entidade e apoiar os esforços para se reduzir os danos do álcool, dando atenção para as consequências sociais e de saúde do consumo abusivo da bebida. A OMS lembra que o grau de risco para o consumo de álcool varia conforme a idade, o sexo e outras características biológicas do consumidor. É preciso observar, segundo a entidade, a quantidade de álcool consumido, mas também o padrão de consumo da pessoa em questão.
A OMS recomenda que os governos regulem o mercado de venda de bebidas, em particular para pessoas mais jovens. Também sugere regulações e restrições à disponibilidade do álcool, políticas apropriadas para se evitar que motoristas dirijam bêbados e a redução da demanda, com impostos mais altos. Afirma ainda que é preciso que os governos forneçam tratamento para pessoas com problemas com o álcool e implementem programas e intervenções breves diante do uso perigoso e prejudicial da bebida. A íntegra do relatório está disponível no site da OMS, em inglês (http://www.who.int).

fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

As dimensões da crise no mundo do trabalho


Nos últimos anos, particularmente depois da década de 1970, o mundo do trabalho vivenciou uma situação fortemente crítica, talvez a maior desde o nascimento da classe trabalhadora e do próprio movimento operário inglês. O entendimento dos elementos constitutivos desta crise é de grande complexidade, uma vez que, neste mesmo período, ocorrem mutações intensas, de ordens diferenciadas, e que, no seu conjunto, acabaram por acarretar conseqüências muito fortes no interior do movimento operário, e, em particular, no âmbito do movimento sindical. O entendimento deste quadro, portanto, supõe uma análise da totalidade dos elementos constitutivos deste cenário, empreendimento ao mesmo tempo difícil e imprescindível, que não pode ser tratado de maneira ligeira.1

Ricardo Antunes
Neste artigo, vamos somente indicar alguns elementos que são centrais em nosso entendimento, para uma apreensão mais totalizante da crise que se abateu no interior do movimento operário.2 Seu desenvolvimento seria aqui impossível, dada a amplitude e complexidade de questões. A sua indicação, entretanto, é fundamental por que afetou tanto a materialidade da classe trabalhadora, a sua forma de ser, quanto a sua esfera mais propriamente subjetiva, política, ideológica, dos valores e do ideário que pautam suas ações práticas concretas.
Começamos dizendo que neste período vivenciamos um quadro de crise estrutural do capital, que se abateu no conjunto das economias capitalistas, especialmente a partir do início dos anos 70. Sua intensidade é tão profunda que levou o capital a desenvolver "práticas materiais da destrutiva auto-reprodução ampliada ao ponto em que fazem surgir o espectro da destruição global, em lugar de aceitar as requeridas restrições positivas no interior da produção para satisfação das necessidades humanas".3 Esta crise fez com que, entre tantas outras conseqüências, o capital implementasse um vastíssimo processo de restruturação, com vistas à recuperação do ciclo de reprodução do capital e que, como veremos, afetou fortemente o mundo do trabalho. Retomaremos adiante este ponto.
Um segundo elemento fundamental para o entendimento das causas do refluxo do movimento operário decorre do explosivo desmoronamento do Leste europeu (e da quase totalidade dos países que tentaram uma transição socialista, com a URSS à frente), propagando-se, no interior do mundo do trabalho, a falsa idéia do "fim do socialismo". Embora a longo prazo as conseqüências do fim do Leste europeu sejam eivadas de positividades (pois coloca-se a possibilidade da retomada, em bases inteiramente novas, de um projeto socialista de novo tipo, que recuse, entre outros pontos nefastos, a tese staliniana do "socialismo num só país" e recupere elementos centrais da formação de Marx), no plano mais imediato houve, em significativos contigentes da classe trabalhadora e do movimento operário, a aceitação e mesmo assimilação da nefasta e equivocada tese do "fim do socialismo" e, como dizem os apologetas da ordem, do fim do marxismo.4 
E mais, ainda como conseqüência do fim do chamado "bloco socialista", os países capitalistas centrais vêm rebaixando brutalmente os direitos e as conquistas sociais dos trabalhadores, dada a "inexistência", segundo o capital, do "perigo socialista" hoje. Portanto, o desmoronamento da URSS e do Leste europeu, ao final dos anos 80, teve enorme impacto no movimento operário. Bastaria somente lembrar a crise que se abateu nos partidos comunistas tradicionais, e no sindicalismo a eles vinculado.
Paralelamente ao desmoronamento da esquerda tradicional da era stalinista — e aqui entramos em outro ponto central —, deu-se um agudo processo político e ideológico de social-democratização da esquerda, e a sua conseqüente atuação subordinada à ordem do capital. Esta acomodação social-democrática atingiu fortemente a esquerda sindical e partidária, repercutindo, conseqüentemente, no interior da classe trabalhadora. Essa acomodação social-democrática atingiu também fortemente o sindicalismo de esquerda, que passou a recorrer, cada vez mais freqüentemente, à institucionalidade e a burocratização que também caracterizam a social-democracia sindical.
É preciso acrescentar ainda que, com a enorme expansão do neoliberalismo a partir de fins dos anos 70, e a conseqüente crise do Welfare State, deu-se um processo de regressão da própria social-democracia, que passou a atuar de maneira muito próxima da agenda neoliberal. O projeto neoliberal passou a ditar o ideário e o programa a serem implementados pelos países capitalistas, inicialmente no centro e logo depois nos países subordinados, contemplando restruturação produtiva, privatização acelerada, enxugamento do estado, políticas fiscais e monetárias sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital como FMI e BIRD, desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, combate cerrado ao sindicalismo classista, propagação de um subjetivismo e de um individualismo exacerbados da qual a cultura "pós-moderna" é expressão, animosidade direta contra qualquer proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital etc.
Vê-se que se trata de uma processualidade complexa que, repetimos, aqui somente podemos indicar e que podemos assim resumir: 1) há uma crise estrutural do capital ou um efeito depressivo profundo que acentuam seus traços destrutivos; 2) deu-se o fim do Leste europeu, onde parcelas importantes da esquerda se social-democratizaram; 3) esse processo efetivou-se num momento em que a própria social-democracia sofria uma forte crise; 4) expandia-se fortemente o projeto econômico, social e político neoliberal. Tudo isso acabou por afetar fortemente o mundo do trabalho, em várias dimensões.
Como resposta do capital à sua crise estrutural, várias mutações vêm ocorrendo e que são fundamentais nesta viagem do século XX para o século XXI, caso se queira, como ensinou Marx, "apoderar-se da matéria, em seus pormenores, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão íntima que há entre elas" (conforme a nossa epígrafe recolhida do posfácio à 2ª edição de O capital, de 1873). Uma delas, e que tem importância central, diz respeito às metamorfoses no processo de produção do capital e suas repercussões no processo de trabalho.
Particularmente nas últimas décadas, como respostas do capital à crise dos anos 70, intensificaram-se as transformações no próprio processo produtivo, através do avanço tecnológico, da constituição das formas de acumulação flexível e dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, no qual se destaca, para o capital, especialmente, o modelo "toyotista" ou o modelo japonês. Estas transformações, decorrentes, por um lado, da própria concorrência intercapitalista e, por outro, dada pela necessidade de controlar o movimento operário e a luta de classes, acabaram por afetar fortemente a classe trabalhadora e o seu movimento sindical.
Fundamentalmente, essa forma de produção flexibilizada busca a adesão de fundo, por parte dos trabalhadores, que devem abraçar, de "corpo e alma", o projeto do capital.
Procura-se uma forma daquilo que chamei, em Adeus ao trabalho?, de envolvimento manipulatório levado ao limite, no qual o capital busca o consentimento e a adesão dos trabalhadores, no interior das empresas, para viabilizar um projeto que é aquele desenhado e concebido segundo os fundamentos exclusivos do capital.
Quais são as conseqüências mais importantes destas transformações no processo de produção e como elas afetam o mundo do trabalho? Podemos, de modo indicativo, mencionar as mais importantes:
1) diminuição do operariado manual, fabril, concentrado, típico do fordismo e da fase de expansão daquilo que se chamou de regulação social-democrática;
2) aumento acentuado das inúmeras formas de subproletarização do trabalho parcial, temporário, sub-contratado, terceirizado, e que tem se intensificado em escala mundial, tanto nos países do Terceiro Mundo, como, também nos países centrais;
3) aumento expressivo do trabalho feminino no interior da classe trabalhadora, em escala mundial, aumento este que tem suprido principalmente o espaço do trabalho precarizado, subcontratado, terceirizado, part-time etc.;
4) enorme expansão dos assalariados médios, especialmente no "setor de serviços", que inicialmente aumentaram em ampla escala mas que vem presenciando também níveis de desemprego tecnológico;
5) exclusão dos trabalhadores jovens e dos trabalhadores "velhos" (em torno de 45 anos) do mercado de trabalho dos países centrais;
6) intensificação e superexploração do trabalho, com a utilização brutalizada do trabalho dos imigrantes, e expansão dos níveis de trabalho infantil, sob condições criminosas, em tantas partes do mundo, como Ásia, América Latina, entre outros;
7) há, em níveis explosivos, um processo de desemprego estrutural que, junto com o trabalho precarizado, atinge cerca de 1 bilhão de trabalhadores, algo em torno de um terço da força humana mundial que trabalha;
8) há uma expansão do que Marx chamou de trabalho social combinado (Capítulo Inédito), em que trabalhadores de diversas partes do mundo participam dos processos de produção e de serviços. O que, é evidente, não caminha no sentido da eliminação da classe trabalhadora, mas da sua precarização e utilização de maneira ainda mais intensificada.
Portanto, a classe trabalhadora fragmentou-se, heterogeneizou-se e complexificou-se ainda mais. Tornou-se mais qualificada em vários setores, como na siderurgia, na qual houve uma relativa intelectualização do trabalho, mas desqualificou-se e precarizou-se em diversos ramos, como na indústria automobilística, na qual o ferramenteiro não tem mais a mesma importância, sem falar na tradução dos inspetores de qualidade, dos gráficos, dos mineiros, dos portuários, dos trabalhadores da construção naval etc. Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador "polivalente e muntifuncional", capaz de operar com máquinas com controle numérico e, de outro, uma massa precarizada, sem qualificação, que hoje está presenciando o desemprego estrutural.
Estas mutações criaram, portanto, uma classe trabalhadora mais heterogênea, mais fragmentada e mais complexificada. Entre qualificados/desqualificados, mercado formal/informal, jovens/velhos, homens/mulheres, estáveis/precários, imigrantes etc.
Ao contrário, entretanto, daqueles que propugnaram pelo "fim do papel central da classe trabalhadora" no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho e do movimento sindical e operário, nesta viragem do século XX para o XXI, é soldar os laços de pertencimento de classe existentes entre os diversos segmentos que compreendem o mundo do trabalho, procurando articular desde aqueles segmentos que exercem um papel central no processo de criação de valores de troca, até aqueles segmentos que estão mais à margem do processo produtivo, mas que, pelas condições precárias em que se encontram, constituem-se em contigentes sociais potencialmente rebeldes frente ao capital e suas formas de (des)sociabilização. Condição imprescindível para se opor, hoje, ao brutal desemprego estrutural que atinge o mundo em escala global e que se constitui no exemplo mais evidente do caráter destrutivo e nefasto do capitalismo contemporâneo.
O entendimento abrangente e totalizante da crise que atinge o mundo do trabalho passa, portanto, por este conjunto de problemas que incidiram diretamente no movimento operário, na medida em que são complexos que afetaram tanto a economia política do capital, quando as suas esferas política e ideológica. Claro que esta crise é particularizada e singularizada pela forma pela qual estas mudanças econômicas, sociais, políticas e ideológicas afetaram mais ou menos direta e intensamente os diversos países que fazem parte dessa mundialização do capital que é, como se sabe, desigualmente combinada.
Para uma análise detalhada do que se passa no movimento operário inglês, italiano, brasileiro ou coreano, o desafio é buscar essa totalização analítica que articula elementos mais gerais deste quadro, com aspectos da singularidade de cada um destes países. Mas é preciso perceber que há um conjunto abrangente de metamorfoses e mutações que tem afetado a classe trabalhadora, e para a qual é absolutamente prioritário o seu entendimento, de modo a resgatar um projeto de classe capaz de enfrentar estes monumentais desafios presentes no final deste século.
Desse modo, é preciso recusar tanto o caminho economicista, das leis férreas e rígidas da economia, que excluem as lutas de classes e as esferas da política e da ideologia, quanto o seu contraponto, o caminho politicista, que desconsidera a esfera da economia política e o mundo da materialidade, o que Marx chamou de "anatomia da sociedade civil". Em ambos os casos, perde-se a possibilidade de apreender os múltiplos e facetados constitutivos desta crise que atinge o movimento operário. Se não se faz esta articulação complexa e fundamental, pode-se incorrer num equivoco grave, que é aquele que se mostra incapaz de perceber o significado essencial destas mudanças.
NOTAS
(1) Em nosso ensaio, Adeus ao trabalho?, procuramos indicar alguns elementos fundamentais das mutações que vem ocorrendo no interior do mundo do trabalho. Ver ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? (ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho). São Paulo: Cortez, 1995.
(2) É evidente que o movimento operário é muito mais amplo que o movimento sindical, porém, são enormes as relações e conexões entre ambos, de modo que aqui procuramos oferecer alguns elementos básicos que atingem o mundo do trabalho em seu conjunto.
(3) Conforme MÉSZAROS, I. Produção destrutiva e Estado capitalista. São Paulo: Ensaio. p.103. Em MÉSZAROS, I. Benyond Capital: towards a theary of transltion. Londres: Merlin Press, s. d., pode-se encontrar um monumental esforço analítico para se compreender esta crise estrutural do capital (especialmente nas partes 1 e 2), cuja análise acompanhamos integralmente. CHESNAIS, F. A mundialização do capital. (São Paulo: Xamã, 1996.) é uma boa radiografia da economia política do capitalismo na era do capital financeiro e oferece elementos importantes para o entendimento desta crise do capital.
(4) Procuramos mostrar, em ANTUNES, Adeus ao Trabalho?, op. cit., os equívocos desta tese. Ver especialmente p.135-45.
Ricardo Antunes é professor do Departamento de Sociologia da UNICAMP.

Fonte: O Olho da História

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Os ninguém

É sempre prazeroso ler um texto do Eduardo Galeano, a acidez e lucidez de suas palavras fazem a gente pensar, isso é sempre muito bom num mundo que já se acostumou a não raciocinar, não pensar, não refletir e aceitar que o humano vale muito pouco, talvez as sandálias que cada um usa e arrasta no chão possam valer mais. 

Os ninguém
Autor Eduardo Galeano

“As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam supertições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.”

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Revolução Industrial e os trabalhadores





E. P. Thompson
Comparadas com as vilas rurais, as condições gerais nas grandes cidades industriais eram mais repugnantes e inconvenientes. Nas vilas rurais, a água de um poço próximo ao cemitério podia ser impura, mas, pelo menos, seus habitantes não tinham de se levantar à noite para entrar numa fila diante da única bica que servia a várias ruas, nem tinham de pagar por ela, como acontecia nas cidades industriais.
Nestas, os trabalhadores e suas famílias tinham de suportar o mau cheiro do lixo industrial e dos esgotos a céu aberto, enquanto seus filhos brincavam entre detritos e montes de esterco. [...]
À medida que a Revolução Industrial avançava e surgiam as clássicas condições de superpopulação e de depravação nas grandes cidades em rápida expansão - inchadas pêlos imigrantes -, a saúde da população urbana começou a se deteriorar.
A taxa de mortalidade infantil, durante as três ou quatro primeiras décadas do século XIX foi muito mais alta nas novas cidades industriais - às vezes o dobro - do que nas áreas rurais. Segundo o Dr. Turner Thackrah, de Leeds, "menos de 10% dos habitantes das grandes cidades gozam de perfeitas condições de saúde". [...]
O Primeiro Relatório do Oficial Geral de Registros (1839) mostrou que aproximadamente 20% da taxa global de mortalidade se devia à tuberculose, uma doença associada à pobreza e à superpopulação, predominando tanto nas regiões rurais quanto nas urbanas.
Das 92 mortes de trabalhadores adultos e jovens de uma fábrica de tecidos de lã de Leeds, entre 1818 e 1827, pelo menos 52 foram atribuídas à tuberculose ou ao "definhamento". Nessa época, a taxa de mortalidade na faixa de O a 5 anos de idade chegava a 517 em mil nascidos vivos. [...]
O trabalho infantil não era uma novidade. A criança era parte intrínseca da economia industrial e agrícola antes de 1780, e como tal permaneceu até ser resgatada pela escola. A forma predominante de trabalho infantil era a doméstica ou a praticada no seio da economia familiar. As crianças que mal sabiam andar podiam ser incumbidas de apanhar e carregar coisas.
Um trabalhador dessa época recordava que começou a trabalhar "pouco depois de que iniciei a andar. [...] Minha mãe costumava bater o algodão sobre uma peneira de arame. Colocava-o, então, num recipiente marrom escuro, com uma espessa camada de espuma de sabão. Depois, dobrava minha roupa até a cintura e me colocava na tina para que eu pisasse sobre o algodão que jazia no fundo. [...] Esse processo prolongava-se até que o recipiente ficasse cheio e se tornava perigoso continuar ali dentro, - colocavam, então, uma cadeira ao meu lado, e eu me agarrava ao seu encosto".
O trabalho infantil estava profundamente arraigado nas atividades têxteis, despertando, com frequência, a inveja dos trabalhadores em ocupações onde as crianças não podiam trabalhar e aumentar o rendimento da família [...].
manufatureira, de tipo industrial, era realizada em domicílio, onde toda a família trabalhava. Em 1806, um trabalhador previa que, com o triunfo do sistema fabril "todos os trabalhadores pobres serão arrancados de suas casas e levados para as fábricas, e ali não contarão com a ajuda e a vantagem da presença de suas famílias, que tinham em suas casas".
De acordo com os padrões da época, a fábrica era uma novidade penosa e até mesmo brutal. As atividades domésticas eram mais variadas (e a monotonia é particularmente cruel para a criança).
Em circunstâncias normais, o trabalho doméstico não se prolongava ininterruptamente, seguindo um ciclo de tarefas. Podemos supor, nesse caso, que havia uma introdução gradual ao trabalho que respeitava a capacidade e a idade da criança, intercalando-o com a entrega de mensagens, a colheita de amoras, a coleta de lenha e as brincadeiras. Acima de tudo, o trabalho em domicílio era desempenhado nos limites da economia familiar, sob o cuidado dos pais. [...]
O crime do sistema fabril consistiu em herdar as piores feições do sistema doméstico, num contexto em que inexistiam as compensações do lar. Em casa, as condições da criança variavam de acordo com o temperamento dos pais ou do patrão e, de certa forma, seu trabalho era graduado de acordo com suas habilidades. Na fábrica, a maquinaria ditava as condições, a disciplina, a velocidade e a regularidade da jornada de trabalho, tornando-as equivalentes para o mais delicado e o mais forte.
O dia de uma criança trabalhadora começava às cinco e meia da manhã. Levava para a fábrica apenas um pedaço de pão, seu único alimento até o meio-dia. O trabalho não terminava antes das sete ou oito horas da noite. No final da jornada, elas já estavam chorando ou adormecidas em pé, com as mãos sangrando por causa do atrito com os fios têxteis. Seus pais davam-lhes palmadas para mante-las acordadas, enquanto os contramestres rondavam com correias.
Nas fábricas rurais, dependentes da energia hidráulica, eram comuns os turnos à noite ou as jornadas de quatorze a dezesseis horas diárias, em épocas de muito trabalho.
Adaptado de: THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. 3. ed. Rio de Janeiro, 2001. v. II. p. 184-210

sábado, 5 de fevereiro de 2011

LAÇOS DE FAMÍLIA - COMO MANTÊ-LOS NO MUNDO DE HOJE?






Rosana Ferrari, Mariza Bregola de Carvalho, Rosicler Santos Bahr e Vera Maria Carvalho
As famílias hoje são famílias de duas rendas, e economicamente o trabalho da mulher é uma necessidade e não só uma conquista. A saída da mulher de seu papel tradicional de mãe, não necessariamente provocou a entrada do homem em um papel mais ativo de pai. Os filhos têm "menos mãe e pouco pai".
A sociedade exige dos jovens um preparo cada vez mais intenso para o mercado de trabalho, e as famílias estão preocupadas com o futuro profissional de seus filhos. Para instrumentá-los, os pais esperam que os filhos enfrentem a profissionalização desde cedo, introduzindo na vida deles muitas atividades extra-escola, cujo objetivo é o de abrir portas para o futuro. As crianças têm muitos afazeres, os jovens têm várias atividades, os pais têm muito trabalho e pouco tempo. O resultado é o menor convívio entre pais e filhos, a diminuição do contato e da intimidade, e o afrouxamento dos vínculos de afeto que sustentam as relações familiares.
Para enfrentar a violência urbana e as drogas, os pais protegem seus filhos adolescentes, levando-os a toda parte, mas não quer dizer que estejam mais perto deles. Os filhos não querem a proteção que representa controle sobre eles.
Como enfrentar este distanciamento e estreitar os vínculos da família, para que ela cresça e amadureça junta?
Conviver em família pode ser um desafio, mas quando o convívio é bom todo mundo gosta. Ter uma refeição por dia juntos ainda pode ser tentado. Nesta hora, é possível cada um contar sobre si, sobre seus interesses e conquistas. Não é hora para brigar, e sim para se encontrar.
Ter um almoço ou jantar de fim de semana no lugar onde todos gostam ou onde a cada vez um membro da família escolhe, pode tornar-se um ritual que a família vai curtir. Mas ele só vale se houver negociação para que todos tenham a chance de alguma vez escolher. Isto vale para pai e mãe também.
Fazer algo juntos é uma forma bem positiva de conversar e estar perto. Pode ser artesanato, caminhada, algum esporte, ou o que quer que a família tenha em comum.
Enviar uma mensagem de carinho pelo celular durante o dia, para cada um, é uma forma de ser lembrado e de se fazer presente. Os pais executivos, que viajam muito, têm que exercitar formas de educar à distância. Isto vale para pais e mães muito ocupados também. Telefonar dizendo que está com saudade não leva mais de dois minutos, e pode ser feito enquanto se corre na esteira, se toma um cafezinho ou se aguarda a próxima aula. O que pode ser feito em um minuto para demonstrar afeto?
Beijar, abraçar, bater no ombro e dizer que o filho é um cara legal, elogiar, dar uma palavra de estímulo vale bastante, não demora, e o efeito dura para sempre.
Mandar um e-mail durante o expediente pode ser feito de forma rápida, e deixa uma mensagem que vai ecoar por longo tempo. A tecnologia está aí para ser usada a nosso favor e não contra nós. Reduzir o número de TVs em casa pode ser uma boa, mas se não der, pode-se criar a hora da TV desligada, a hora do chá ou do sorvete.
A finalidade de tudo isto é uma só: reforçar os vínculos de afeto da família. Todos vão gostar e querer mais da próxima vez.
Coordenação do INTERCEF – Instituto de Terapia e Centro de Estudos da Famíli